O interrogatório e o abraço dos afogados. Por Kakay

O ex-presidente Jair Bolsonaro – Foto: Reprodução

“O beijo, amigo, é a véspera do escarro, a mão que afaga é a mesma que apedreja” – Augusto dos Anjos, Versos Íntimos.

O julgamento de Bolsonaro e do seu bando se aproxima do momento do interrogatório. Esse é o único ato processual em que o réu faz a sua própria defesa. Vai ser muito interessante ver o ex-presidente ser interrogado pelo ministro Alexandre, talvez pelos outros ministros da 1ª Turma do Supremo e pelo procurador-geral. No Brasil, o réu pode optar pelo silêncio e pode até mentir, já que não é obrigado a fazer prova contra si mesmo. Bolsonaro vai estar à vontade, pois sempre mentiu muito. É quase uma obsessão a tendência dele para faltar com a verdade.

A questão é outra: sabemos das suas enormes limitações. É um indigente intelectual. E, com sua arrogância e ignorância, pode acabar produzindo evidências contra o seu grupo mais próximo. E até contra ele mesmo. É curioso notar que a maioria das provas do processo foi apreendida em poder dos réus. A famosa gravação da reunião em que o General Heleno alardeou, na frente do então presidente Bolsonaro e dos seus ministros, que o golpe teria que ser antes das eleições, foi encontrada em poder do ex-ajudante de ordens, hoje réu, Mauro Cid.

Nessa hora, a experiência da advocacia criminal indica que os acusados entram em desespero. No caso concreto, todos os oito réus do chamado “núcleo crucial” sabem que, até setembro, estarão condenados a penas que devem passar de 30 anos. Ou seja, antes do final do ano estarão presos na Papuda, em Bangu ou em alguma outra penitenciária. A angústia já se transformou em desespero. É só acompanhar o ridículo dos atos recentes do Eduardo Bolsonaro ou a fuga da deputada Carla Zambelli.

A deputada fujona Carla Zambelli – Foto: Reprodução

O círculo está se fechando e, nessa hora, falta o ar e desce uma venda que cobre os olhos. A sensação de solidão e a tristeza passam a ser as únicas companhias. O arrependimento destrói qualquer esperança no futuro. Quando estiverem presos, perceberão que, no caso deles, a cadeia é até mais tranquila do que essa fase de profunda apreensão.

E os interrogatórios serão cruciais. É um momento de extrema tensão. Os corréus, na ânsia natural de se defenderem, podem optar por jogar a responsabilidade nos outros. Nesse caso, é sintomático que nenhum dos oito advogados que assumiram a Tribuna do Supremo, quando do julgamento do recebimento da denúncia, falou que não existia crime. O que fizeram foi tentar mostrar que os clientes não participaram. Implicitamente, houve quase uma confissão geral de que o golpe foi mesmo tentado.

Agora, nos interrogatórios, existe a hipótese, bastante palpável, de algum acusado jogar a responsabilidade no outro. Ainda que sem uma imputação direta. A própria linha de defesa de alguns dos réus pode levar à incriminação dos chefes da organização criminosa. É importante ressaltar que, entre os réus desse núcleo, está um delator que produziu muitas provas contra o bando.

A tendência é que todos tentem se agarrar a uma boia imaginária para fugir do abraço mortal dos afogados. Pelo ritmo da instrução processual, todos eles sabem que serão condenados. E essa condenação vai fazer bem para o país. É necessário virar a página. O Brasil merece ser pacificado. Com a punição e a prisão dos que atentaram contra a Democracia, estaremos maduros para pensar o país sem a sombra da Ditadura.

Lembrando-nos de Rainer Maria Rilke: “Se meus demônios me abandonarem, temo que meus anjos desapareçam também”.

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