No início da década de 1980, acadêmicos de esquerda começaram a teorizar sobre uma nova “consciência” cultural que surgiu após o fim da Guerra do Vietnã e o surgimento do neoliberalismo como forma do capitalismo contemporâneo. O estado de bem-estar social do pós-guerra na Europa começou a ser desmontado, a desindustrialização dos países ocidentais começou a ser implantada (inclusive no Brasil) e os empregos nas indústrias foram mudando para a China.
Logo no início da década de 1980, o teórico americano Jameson publicou um livro que marca a percepção desse fenômeno chamado Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio. Sua primeira frase descreve de maneira precisa a reflexão principal que norteia a teoria: “É seguro definir o conceito de pós-moderno como uma tentativa de pensar o presente historicamente em uma era que esqueceu como pensar historicamente em primeiro lugar” (tradução minha). É um reconhecimento do materialismo histórico dialético como modelo de análise social científica, após os desvios pós-estruturalistas da filosofia francesa liderada por Michel Foucault nas décadas anteriores e que impregna a academia até hoje.
O termo pós-modernismo no título se refere às manifestações nas artes em geral (teatro, cinema, arquitetura, música, pintura, literatura, etc.) do período e que caracterizam essa lógica cultural. Anos mais tarde, em um artigo de 2005, Jameson dirá que o termo mais correto seria pós-modernidade. Ele fará esse ajuste porque o termo pós-modernismo pode sugerir um movimento consciente de artistas, com manifestos e outras elaborações, como vimos com as vanguardas modernistas no início do século XX, algo que nunca existiu.
Na verdade, Jameson fala de uma característica cultural do nosso tempo que se reflete nessas formas artísticas, daí que pós-modernidade é mais preciso. Além disso, aponta, no tempo, o arrefecimento das vanguardas modernistas, movimentos de caráter revolucionário, que buscavam confrontar a cultura da burguesia e criar novas experiências artísticas. A marca maior do fim das vanguardas é a sua canonização e inclusão nos currículos acadêmicos. Proust na academia como matéria obrigatória. (Estamos 100 anos na frente desses movimentos e percebemos pouco ou quase nada de arte de vanguarda no momento). Como é minha área, vejo ações individuais isoladas no cinema.
No caso do termo “capitalismo tardio”, há algo a acrescentar. Podemos ler como uma fase do capitalismo, a contemporânea, e como se manifesta. Assim, a expressão poderia representar apenas o estágio atual do sistema econômico, que poderá ser superado, gerando um novo. De um modo geral, podemos dizer também que “capitalismo tardio” é a forma que o imperialismo assume atualmente, ou seja, essa jogatina financeira das bolsas de valores associada a uma máquina de propaganda que a justifique, no ar 24 horas por dia, sete dias por semana.
No entanto, os acontecimentos culturais dessa semana acrescentaram, ao menos para mim, um novo significado tanto ao termo “pós-modernidade” quanto ao termo “capitalismo tardio”. Dos acontecimentos, o mais importante pelo alcance foi a cerimônia de abertura das Olimpíadas da França. Provavelmente, em termos históricos, ela se tornou um ponto de virada na jornada pós-moderna neoliberal globalizada. Com suas contradições acompanhadas por bilhões no mundo inteiro, sua realização parece ter sido uma espécie de ápice que agora mira ladeira abaixo.
A abertura dos Jogos Olímpicos, como parte da máquina de propaganda, foi uma manifestação do espírito da pós-modernidade: uma associação sem sentido de citações históricas desprovidas de reflexão crítica e de referências simbólicas rasas típicas da cabeça de um artista completamente cooptado a essa ordem. Da cabeça de Maria Antonieta ao som de heavy metal à Santa Ceia drag.
Não houve nada de revolucionário no espetáculo televisivo. A Revolução Francesa, um dos momentos mais importantes da História, e a cabeça da rainha da França estavam lá apenas como uma citação desprovida vazia (que Jameson descreve bem na citação acima). Assistimos a uma Revolução esvaziada de História, um produto para consumo. A imagem serve apenas como truque barato de TV. Não vemos o rei, nem a queda da parasita classe social que Proust descreve tão bem em seus livros. Não vemos luta de classes nessa citação. Só o truque “criativo” da representação caricata da personagem histórica.
Da mesma forma, a representação caricata do quadro de Leonardo da Vinci, uma afronta gratuita ao Renascimento e ao gênio criador do pintor italiano (a maior parte das críticas a essa imagem apenas a toma como afronta ao catolicismo, esquecendo sua origem), novamente desprovida de qualquer contextualização histórica. Não há nada de revolucionário na representação, nem de superação, nem de defesa de direitos de minorias de gênero. Com sua necessidade de atacar os valores tradicionais de forma infantilizada, apenas demonstrou que o identitarismo está a serviço do capitalismo financeiro internacional.
Em ambos os casos, dois fenômenos que estamos cansados de verificar aqui no Brasil também: a necessidade de destruição de monumentos e a deturpação de fatos históricos a serviço dos interesses da plutocracia global, os parasitas atuais. Serve também para jogar setores das classes médias e das classes operárias globais uns contra os outros.
A decadência é a palavra para definir o que foi apresentado na abertura das Olimpíadas na França, em uma semana de rápidos e fortes acontecimentos históricos, como o assassinato de Ismail Haniyeh, as eleições venezuelanas, o genocídio em Gaza, a guerra por procuração na Ucrânia, as eleições norte-americanas e muitos outros. Nesse sentido, podemos, com grande probabilidade de acertar, dizer que o termo “capitalismo tardio” na fórmula de Jameson não se refere somente a um estágio a mais do capitalismo (o mais contemporâneo), mas ao seu estágio final, ao seu crepúsculo.
A abertura dos Jogos Olímpicos, como manifestação da lógica cultural do centro desse sistema e, ao mesmo tempo, do estado francês em golpe de estado no momento, é um dos sintomas dessa decadência. É o ponto de virada como falei acima. A pós-modernidade é uma lógica cultural da decadência, pois é só essa forma de cultura que a classe dominante consegue criar atualmente. Muito pouco para quem insiste em dominar o mundo. Uma representação chula (talvez inconsciente?) e premonitória da sua própria cabeça a ser decepada.