No artigo intitulado Análisis. Trump, Ucrania y el regreso de las rivalidades interimperialistas, escrito por Philippe Alcoy, o órgão argentino La Izquierda Diario tenta apresentar as contradições entre Donald Trump e os líderes europeus como um choque entre potências imperialistas, colocando os EUA e a Europa em um “divórcio”. Para o autor, “a política agressiva de Trump está expondo no cenário mundial as fraquezas estruturais do imperialismo europeu”, do que conclui que:

“Cientes disso, os líderes norte-americanos não hesitam em explorar outras fraturas políticas e sociais no continente. É assim que devemos entender o apoio explícito a partidos de extrema direita, como a Alternativa para a Alemanha (AfD). O discurso de Vance na conferência de Munique, altamente ideológico e lutando abertamente contra as correntes liberais europeias, visa a fortalecer a extrema direita, que tende a acentuar a polarização social e política no continente. As divisões na Europa favorecem as políticas de Trump e do imperialismo norte-americano.”

É uma tese que desconsidera, porém, o conteúdo social de Trump, que, ao contrário do que acredita Alcoy, não lidera o imperialismo norte-americano, mas uma fração da burguesia norte-americana menos poderosa e mais numerosa, e que é opositora da política imperialista. É o setor que não se beneficia do que o trumpismo criticou como “guerras intermináveis”, que arca com o custo econômico e político das trilionárias aventuras militares defendidas pelos monopólios e que pressiona o atual mandatário a fazer o que foi feito em Gaza e na Ucrânia: por um fim aos conflitos, o que naturalmente não foi feito por razões humanitárias, mas acima de tudo, para interromper os gastos multibilionários que os Estados Unidos estavam assumindo.

A principal missão de Trump na Casa Branca (sede do governo norte-americano) é justamente por um fim a essa política que, em condições normais, custa quase uma Holanda anualmente ao contribuinte americano, sem mencionar despesas adicionais como as guerras de “Israel” contra o Hamas e a da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra a Rússia na Ucrânia. Foi respondendo a esse problema central da cisão entre a burguesia doméstica norte-americana e o imperialismo que Trump adotou a medida de “desburocratizar” o Estado norte-americano, o que nos Estados Unidos, significa diminuir os gastos com a máquina de guerra do país, ao contrário do que ocorre em países atrasados como o Brasil, onde tal política significa tirar recursos do orçamento para dar aos bancos.

Não é à toa que essa desburocratização mirou as agências fomentadoras de golpes de Estado como NED e USAID, e o cérebro organizador das guerras, o Pentágono. Os cortes de financiamento, que tiveram ampla repercussão em todo o planeta, deveriam ser mais cuidadosamente analisados por Alcoy antes da construção de sua tese. Por que a máquina de propaganda imperialista deu tanto destaque a eles? Por que os esquerdistas capturados pelo imperialismo lamentaram tanto? São questionamentos que não podem ser desconsiderados na hora de se organizar uma análise de conjuntura – e, visivelmente, faltaram ao autor de La Izquierda Diario.

Alcoy sugere que a política imperialista mudou só porque Trump assumiu o governo dos Estados Unidos, como se o imperialismo fosse um capricho de presidentes, não um fenômeno social. Isso não faz sentido: o imperialismo não dança ao som de eleições. Durante a campanha de 2024, o candidato do imperialismo era Joe Biden, apoiado pela máquina de guerra dos EUA e seus aliados na OTAN.

Fosse Trump um representante do imperialismo também, como Alcoy diz, por que enfrenta resistência tão brutal? Porque negocia diretamente com Putin e exclui a Europa (nesse momento, mais solidamente dominada pelo imperialismo graças – sobretudo – às esquerdas inglesa, francesa e alemã)? Por que, além disso, pressiona Zelensqui a acabar com a guerra, quando, desde o início, a ditadura mundial deixou claro que não tem outro interesse além da manutenção do conflito?

O erro é grave porque induz a esquerda a um beco sem saída. Ao chamar isso de “interimperialismo”, Alcoy sugere que Trump e a Europa são apenas faces do mesmo monstro, levando setores progressistas a se alinharem com o imperialismo contra a “extrema direita” de Trump, sob o pretexto de combater o fascismo. É uma armadilha: o imperialismo é o inimigo mortal dos trabalhadores e estudantes, não Trump, que, representando uma burguesia mais frágil, abre brechas que podem e devem ser exploradas, mas, para isso, precisam ser muito bem compreendidas. Biden armou a Ucrânia e financiou o genocídio palestino; Trump tenta parar essas guerras. Independentemente do que dizem os editoriais do New York Times, quem é o verdadeiro “fascista”?

Sem criticar essa tese, a esquerda cai na confusão de La Izquierda Diario e termina virando militante do imperialismo – o mesmo que explora o Brasil, massacra Gaza e mantém Zelensqui como marionete, para a manutenção de uma guerra que não interessa aos ucranianos e contra a qual a maioria da população não quer participar.

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Last Update: 15/03/2025