A maioria da esquerda latino-americana identifica os Estados Unidos como sendo o imperialismo. Tanto é assim que a conduta vergonhosa de Lula com Macron não causa grande impacto mesmo dentro de sua base esquerdista. Para boa parte dos africanos, no entanto, o maior inimigo é a França, a pátria da “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Em matéria publicada no sítio da emissora RT, na última segunda-feira (9), Maxwell Boamah Amofa faz uma retrospectiva do que levou aos golpes de estado nacionalistas em Burquina Fasso, Máli e Níger e à formação do Aliança dos Estados do Sael (AES).

Com o iminente colapso do império colonial francês no final dos anos 50, com a derrota na Guerra da Indochina e os últimos momentos da Guerra da Argélia, ficou claro ao grande capital francês a impossibilidade de manter suas posses coloniais no resto do continente africano. É por isso, que a França negociou um processo de independência geral no continente na década de 60.

Evidentemente, a independência concedida pelo colonizador era profundamente parcial: os franceses mantiveram o controle da moeda nos países da Françáfrica e o “direito” de intervir militarmente, quando julgado “necessário”. Na prática, foram estabelecidos diversos governos compradores, cuja força está totalmente baseada na sua associação com o imperialismo, particularmente do imperialismo francês.

A situação é instável, tendo surgido movimentos nacionalistas mais ou menos radicais rejeitando a tutela francesa, desde antes da independência. Em alguns países, o próprio processo de independência levou ao poder organizações de tipo nacionalista, é o caso de Guiné, por exemplo. Em outros, governos nacionalistas chegaram ao poder, normalmente por meio de golpes militares originados do baixo oficialato, como é o caso dos governos membros do AES. 

Independentemente de como tais governos nacionalistas chegassem ao poder, os franceses trabalharam incansavelmente para derrubá-los, o caso mais famoso sendo o de Thomas Sankara, assassinado pelo seu braço direito Blaise Compaoré, comprado pelo imperialismo francês, que impôs uma ditadura brutal sobre Burquina Fasso por 27. Compaoré vive hoje na vizinha Costa do Marfim, uma das principais bases de apoio do imperialismo francês na região.

Amofa mostra em sua matéria que a presença militar do imperialismo no oeste africano, particularmente dos europeus, se justifica com o “combate ao terrorismo e a insurgências”, problema criado pelo próprio capital internacional de diferentes formas e em diferentes momentos. Por exemplo, durante o período colonial, era comum o favorecimento de um determinado grupo étnico em detrimento dos outros para estabelecer uma base social de sustentação para o domínio europeu. A consequência mais trágica desta política foi o genocídio dos Tútsis em Ruanda.

A principal causa do “terrorismo” na região é a destruição da Líbia de Muammar Gaddafi, em que a França desempenhou um papel absolutamente central, talvez até mais importante que o dos norte-americanos.

O autor traça, então, uma linha do tempo comparando a tentativa de soluções que ele chama de “africanas”, baseadas na UA e na CEDEAO, e as “não-africanas”, ou seja, baseadas diretamente na intervenção militar dos países imperialistas, particularmente os europeus.

“Em uma tentativa de encontrar soluções africanas por meio de iniciativas regionais de segurança, a União Africana (UA) e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) lançaram a Missão Internacional de Apoio ao Mali (AFISMA) em janeiro de 2013. Inicialmente com 5.300 soldados, posteriormente ampliada para 7.700, ela foi criada para combater o terrorismo no Mali e evitar sua propagação para o resto da região do Sahel. No mesmo ano, a França, numa tentativa de manter sua supremacia como principal ator militar na região, iniciou suas próprias operações militares de combate ao terrorismo no Sahel, batizadas de Operação Serval, com um contingente semelhante de tropas.

[…]

No dia 1º de julho de 2013, as tropas da África Ocidental foram incorporadas à Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização no Mali (MINUSMA), estabelecida em 2013 com aproximadamente 6.000 soldados, número posteriormente ampliado para mais de 15.700. A missão da CEDEAO-UA foi completamente marginalizada, abrindo caminho para a entrada de várias missões lideradas por europeus no Sahel.

Aproveitando a oportunidade, a França expandiu sua presença ao lançar outra operação militar, a Barkhane, em 2014. Com 1.800 efetivos, ela liderou as operações da Força-Tarefa Europeia Takuba, que incluía pessoal da Itália, Portugal, Suécia, Estônia, República Tcheca e Bélgica.

No entanto, a busca por uma solução africana não foi abandonada, pelo menos em princípio. Uma nova tentativa de encontrar uma solução militar africana surgiu em 2014 com a criação do G5 Sahel, uma aliança entre Mali, Burkina Faso, Níger, Chade e Mauritânia. A FC-G5S (Força Conjunta do G5 Sahel), uma força combinada para combater o terrorismo, foi estabelecida por meio do Processo de Nouakchott, lançado pela França, Alemanha e pela UE (União Europeia).” 

Importante notar que, enquanto a AES foi formada pelo interesse dos governos nacionalistas sitiados pelo imperialismo, o G5 do Sahel teve, de certa forma, benção do imperialismo, o que explica sua pouquíssima importância e incapacidade em mudar a situação.

Devemos, no entanto, discordar do autor. O que ele chama de solução “africana” não é africana, lembremos as ameaças de invasão do Níger pelos membros da CEDEAO, particularmente da Nigéria, país dominado pelo imperialismo norte-americano e inglês.

O artigo possui seu mérito por trazer uma série de informações importantes, mas é preciso dizer que nem os norte-americanos, nem os britânicos são mencionados, algo particularmente estranho dadas as citações de Lumumba, cuja derrubada teve envolvimento direto de todos os principais países do bloco imperialista; e de Nkrumah, derrubado pelos ingleses.

Por outro lado, o autor está certo quando afirma que a solução deve ser “africana”, mas deve ser uma solução que respeite a soberania dos países membros do AES, e não uma intervenção do imperialismo com uma máscara africana.

Outro ponto interessante é demonstração de que nunca foi do interesse do imperialismo acabar com os movimentos insurgentes/“terroristas” na região:

“No dia 14 de novembro de 2023, foram descobertas evidências de extração mineral na zona de Kidal, operada pelas forças francesas da Barkhane. No entanto, o local era proibido para as forças malianas, tornando-se acessível apenas após a saída da MINUSMA em 2023.”

Ou seja, ao invés de combater os insurgentes, estavam roubando o Máli. A situação não era muito diferentes nos outros dois membros do AES, Burquina Fasso e Níger. 

O fortalecimento da AES e o fortalecimento de sua política baseada na soberania nacional e no – ainda insuficiente – desenvolvimento econômico, particularmente industrial, é um grande problema para o imperialismo de conjunto, mas principalmente para o imperialismo francês, como demonstrou a eleição de Bassirou Diomaye Faye em Senegal.

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Last Update: 12/06/2025