Fernando Haddad anunciou a redução de 15 bilhões de reais em gastos primários este ano, com 11,2 bilhões bloqueados e 3,8 bilhões contingenciados, como medida gradual para o cumprimento do arcabouço fiscal.
Caberá à ministra do Planejamento, Simone Tebet, detalhar quais pastas sofrerão cortes de gastos. É fundamental priorizar cortes que tenham baixo impacto social, em vez de cortar aqueles que garantem dignidade mínima aos mais vulneráveis.
Mais uma vez, Haddad tenta apaziguar o conflito entre o presidente Lula e a Faria Lima. É uma tarefa exaustiva lidar com agentes de mercado oportunistas, que têm influência em vários setores da economia, incluindo a imprensa.
Após o último embate entre o presidente Lula e o reacionarismo financista, que elevou o dólar a R$ 5,70, as coisas pareciam se acalmar. O arcabouço fiscal ganhou apoio presidencial, e o mercado esperou para ver se a promessa seria cumprida.
Os dados mostram não haver desconfiança fiscal, e sim um estado de emergência artificial produzido para manter o governo na rédea curta
Neste compasso de espera, a incerteza criou muitas oportunidades para montar posições lucrativas, bastando apenas uma dica, um suspiro, um sinal que indicasse a direção das coisas. Foi o que ocorreu após a gravação da entrevista que o presidente Lula deu à Record na terça-feira.
Questões de ética jornalística à parte, a apresentadora Renata Varandas antecipou o teor das falas do presidente para os clientes de sua consultoria antes que a entrevista fosse ao ar, traficando uma informação privilegiada que poderia render lucros no mercado.
Como a impunidade reina solta no condado paulistano, a corretora divulgou a informação em uma nota aos clientes antes que a entrevista fosse ao ar. O texto alardeava uma suposta falta de apoio do presidente ao arcabouço fiscal, com base na fala de que ele precisaria ser convencido da necessidade dos cortes. O mercado deu um pequeno soluço e exigiu novamente que Haddad e Alexandre Padilha viessem a público reforçar o compromisso com a meta fiscal.
A declaração de Lula não tinha nada de incomum. Lula apenas disse que protegeria áreas essenciais cuja natureza da despesa se parece mais com investimento do que com custeio da máquina. E, demarcando seu espaço de poder, reforçou que sua visão de governo difere da visão financista do mercado.
Esse histórico nos ajuda a entender a reação do mercado ao anúncio de contenção de gastos. A agenda fiscal é pesada e captura toda a atenção do governo e da imprensa. A pressão cotidiana sobre o governo é intensa, deixando pouca margem para erros.
Mesmo a questão da sucessão da presidência do Banco Central tem contornos fiscais. Afinal, o cerne da autonomia financeira que Campos Neto deseja aprovar antes de sair do BC é desvincular o BC de qualquer influência do Poder Executivo para poder – pasme você! – impor limites à política fiscal.
Neste contexto, a notícia dos cortes foi recebida com alívio morno. Para os economistas de mercado, o tamanho da contenção foi maior do que se temia e menor do que o necessário: as estimativas da Faria Lima são de cortes de 30 a 60 bilhões de reais. Se o governo oferecesse corte de 20 bilhões de reais, o mercado deslocaria o “ideal” para 40 a 80 bilhões de reais. É o pedágio farialimer com tarifa móvel!
Haddad tenta encontrar uma solução salomônica. Em seu apoio, as receitas do governo têm surpreendido devido ao dinamismo da economia e da massa salarial, além das medidas de recomposição da base tributária, como a tributação dos fundos exclusivos e offshore, entre outras ações que podem evitar uma maior contenção de despesas.
A estratégia tem funcionado. Segundo o Boletim Macro Fiscal divulgado ontem pela Secretaria de Política Econômica, o mercado vem mantendo sua estimativa de déficit para 2024 em 81,42 bilhões de reais (0,71% do PIB), com uma elevação de 4,6 bilhões de reais (ou 0,04 p.p. do PIB) em relação à coleta de maio.
Estes dados mostram não haver desconfiança com relação à responsabilidade fiscal do governo, apenas um estado de emergência artificial produzido para manter o governo na rédea curta. A campanha difamatória de memes contra Haddad se encaixa neste arranjo.
A queda da carga tributária entre 2022 e 2023 e a correção das distorções tributárias tiram o fundamento das piadas com o ministro. O movimento catalisa a insatisfação com a “taxação das blusinhas” para manchar a reputação da agenda de justiça tributária. Apesar do barulho, os efeitos desta campanha devem ficar limitados às redes sociais. Mesmo assim, o governo deveria investir energia em conter os danos.
Afinal, os resultados econômicos são positivos, com avanço dos investimentos, queda do desemprego e do desalento e inflação controlada. Cabe ao governo administrar esta contenção gradual dos gastos e, sobretudo, priorizar cortes nas desonerações que beneficiam os mais ricos e proteger os gastos sociais.