O golpe do Ensino Médio, por Luís Felipe Miguel

Um golpe de Arthur Lira permitiu que a Câmara dos Deputados aprovasse ontem o “Novo Ensino Médio” tal como desenhado pelo bolsonarista Mendonça Filho, hoje relator do projeto e antes – vocês lembram? – truculento ministro da Educação no governo ilegítimo de Michel Temer.

A resistência de estudantes, professores e administradores escolares havia obtido algumas vitórias no Senado. A meu ver, ainda insuficientes, mas pelo menos tornavam o NEM menos pior, sobretudo garantindo carga maior para o conteúdo disciplinar obrigatório.

Mendonça Filho descartou as principais dessas mudanças e seu relatório foi aprovado por votação simbólica.

O mais triste: a manobra de Lira recebeu o apoio do líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE). O MEC já havia, há muito tempo, optado por lavar as mãos.

Atravessado por representantes das fundações empresariais, de costas para estudantes, profissionais e especialistas engajados, o MEC tem fracassado na tarefa de garantir uma educação pública igualitária e de qualidade.

O “Novo Ensino Médio” foi um dos retrocessos impostos pelo golpe de 2016. A gente sabe que direitos trabalhistas foram perdidos, a economia foi desnacionalizada e as políticas sociais do Estado foram asfixiadas (com o teto de gastos), tudo aprovado a toque de caixa, sem discussão com a sociedade ou mesmo no Congresso. Com a educação foi pior ainda – a mudança veio por meio de medida provisória, baixada por Temer em 2016 e convertida em lei em 2017.

Apesar de toda a propaganda, o “Novo Ensino Médio” logo mostrou que é: precarização do ensino dos mais pobres.

Sob o pretexto de dar “flexibilidade” aos estudantes, o “Novo Ensino Médio” esvazia a formação básica de quem é submetido a ele. História do Brasil, por exemplo, não existe mais. De maneira geral, disciplinas voltadas à formação do senso crítico e da cidadania ativa foram extirpadas.

Em seu lugar entram conteúdos relacionados a “empreendedorismo” e “marketing”. A reforma se exibe como perfeitamente alinhada ao espírito do neoliberalismo.

A anunciada “flexibilidade” é uma balela, já que a esmagadora maioria das escolas não oferece quase nenhuma alternativa de “percursos formativos”. Na prática, a educação é segregada, oferecendo aos filhos da classe trabalhadora uma formação “adequada” às posições subalternas que eles estão destinados a exercer – e reservando aos herdeiros das elites horizontes mais alargados.

Um colunista da Veja, na época, foi sincero: tratava-se de restaurar “a fórmula tradicional de uma formação profissional para os pobres e uma educação clássica para as elites”.

As mudanças introduzidas agora minoram muito pouco os problemas do projeto.

O fato de que Lira julgou necessária essa manobra golpista mostra como, para a direita, a reforma é prioridade.

Barrá-la e inaugurar uma discussão ampla e democrática sobre o tema – que ensino médio queremos, para formar cidadãos para que país – também devia ser prioridade para a esquerda.

O MEC está rendido, mas Lula tem mais uma chance de mostrar que ouve os profissionais da educação e os estudantes. Que não a perca.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).

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Last Update: 10/07/2024