O portal Brasil 247, órgão oficial do PT e maior da esquerda brasileira, publicou um editorial no último domingo (21), intitulado É preciso investigar quem financia a campanha contra Haddad, no qual acusa a existência de “um movimento orquestrado de difusão de fake news contra Haddad”. “Desde Primeiro de janeiro deste ano até 18 de julho”, diz o editorial, “o ministro Fernando Haddad foi mencionado 2 milhões de vezes, o que resulta em uma média de 10.050 citações por dia. Por seu volume e foco trata-se de uma campanha de evidentes intenções políticas baseadas em mentiras”, conclui, sem, entretanto, dizer quais seriam exatamente as “mentiras”. Brasil 247 prossegue:
“As menções e memes são padronizados, obedecem a modelos de variação, evidenciando um movimento orquestrado de difusão de fake news contra Haddad. O ministro é associado ao aumento de taxas, o que se trata de uma falsidade.
Como informou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, a carga tributária, que no governo Bolsonaro chegou a 33,7% do Produto Interno Bruto, baixou para 32,4% no ano passado.”
Em geral, já seria um péssimo argumento usar alguém do governo para dizer que o governo está certo. Seria, entretanto, aceitável se o argumento fosse comprado por dados que comprovassem que a verdade está do lado defendido pelo editorial, porém até os números apresentados dizem algo muito diferente.
Ora, se é verdade o que diz Alckmin (sem esquecer a complexidade da tarefa de acreditar no que diz o ex-governador fascista), a “redução” do peso da carga tributária ser de míseros 1,3 pontos percentuais. Sequer pode ser considerado uma “redução”. Em outra ponta, sob o comando de Haddad, foram criados tributos como o famigerado “imposto da bolsinha” em referência à tributação de artigos de até 50 dólares, contrariando a política anterior, que estabelecia isenção a valores iguais ou inferiores. Finalmente, a incidência, atinge principalmente o setor mais empobrecido da pequena-burguesia.
“O alvo da patranha busca estigmatizar mentirosamente o cerne do governo Lula que é sua política econômica”, continua o editorial, enfrentando, no entanto, um problema: se são mentiras o que a propaganda, seria um trabalho demasiadamente simples enfrentar. A gritaria contra os memes que se proliferam nas redes sociais são um sintoma de fenômeno oposto, de que o verdadeiro juiz da questão, o povo brasileiro, entende que o peso dos impostos piorou.
A verdadeira tarefa da esquerda, se não quiser se desmoralizar com o povo, é indagar a razão dos memes serem tão populares e a partir de uma investigação séria, adotar uma política que longe de empurrar o governo para uma crise, fortaleça o apoio popular ao Palácio do Planalto (sede do governo federal).
Da mesma forma, uma campanha jamais conseguiria “estigmatizar o cerne do governo Lula que é sua política econômica”, com base em mentiras. A realidade sempre se impõe e o próprio governo Lula já teve experiências que comprovam isso em outros momentos. Mesmo com a direita insistindo que a crise de 2008 fora mais do que uma “marolinha”, a percepção positiva da política econômica do segundo governo Lula simplesmente ignorou toda a propaganda contrária e fez o homem terminar o segundo mandato com elevadíssima aprovação.
O problema com a propaganda não é se ela é mentirosa, mas se as condições materiais favorecem sua proliferação, e é exatamente o que a política errática produz, sobretudo na economia. Da mesma forma que a intensa propaganda da direita não surtiu efeito no passado, não é com propaganda, com declarações de que tudo está ótimo, que o governo convencerá o povo disso.
A verdadeira solução seria dar uma guinada de 180º na política econômica, impulsionar um programa de desenvolvimento a partir de indústrias com uso extensivo de mão de obra como a da construção civil, para verdadeiramente melhorar as condições de vida do povo, reduzir o desemprego não de maneira contábil, mas com impacto. Da mesma forma, choques no salário mínimo para dar ganhos não apenas reais, mas substanciais, que permitam ao povo superar o arrocho econômico dos últimos anos e melhorar o padrão de vida das famílias trabalhadoras com certeza surtirá muito mais efeito do que repetir que existe “um movimento orquestrado de difusão de fake news contra Haddad”.
Para isso, naturalmente, seria necessário um enfrentamento contra a direita infiltrada no governo, incluindo o próprio Haddad. Seria preciso lutar contra a burguesia e a política de “déficit zero”, que atende o neoliberalismo, mas não a classe trabalhadora, que por sua vez, termina respondendo bem aos memes e demais instrumentos da propaganda da direita. A mesma direita que pressiona pela política direitista implementada por Haddad, a usa para impulsionar uma propaganda visando aprofundar a desmoralização do governo, deixando muito claro que não são nem poderão ser aliados de Lula.
Longe de tudo o que seria indicado e que surtiria efeito concretamente, no entanto, o editorial retoma a política repressiva padrão da esquerda pequeno-burguesa, expressa no trecho abaixo:
“As menções e memes são padronizados, obedecem a modelos de variação, o que evidencia um movimento orquestrado de difusão de fake news contra Haddad. O ministro é associado ao aumento de taxas, o que se trata de uma falsidade (…) São ataques feitos com uso de inteligência artificial sem que se conheçam seus reais autores. Pelo volume das inserções, depreende-se investimentos vultosos. A intenção é clara: atingir a imagem da gestão de Haddad. (…) Volumosa e sorrateira, a campanha constitui crime. Precisa ser investigada e seus responsáveis punidos com o rigor da lei. Sem prejuízo da imediata regulamentação do uso da inteligência artificial em campanhas políticas nas redes.”
Sufocar a propaganda do problema percebido pelos trabalhadores ao invés de tratá-lo, é basicamente o que defende o editorial. É a fórmula perfeita para um desastre. Costuma dar certo por um período muito limitado de tempo quando se trata de governos de direita e ter vida muito curta em se tratando de regimes de esquerda, isso quando chegam a ter vida.
O governo Lula e o Brasil 247 precisam mudar sua política se não quiserem impulsionar o contrário do que pensam estar fazendo: não estão defendendo o governo com a política adotada, mas pavimentando o caminho para a ação golpista. Parafraseando o assessor do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, não são os memes, mas a economia.