O humanismo europeu e o enfrentamento do trumpismo
por Dora Nassif
1. O impacto das políticas migratórias de Trump na Europa
Desde a eleição de Donald Trump em 2016, os Estados Unidos passaram a adotar uma abordagem mais rígida e punitiva em relação à migração. Essa mudança teve efeitos que ultrapassaram as fronteiras norte-americanas, influenciando diretamente o debate e as políticas públicas na Europa. O nacionalismo antimigratório, as proibições de entrada a muçulmanos (o “Muslim Ban”), a construção de barreiras físicas e a criminalização da imigração passaram a compor o repertório de governos europeus com agendas semelhantes.
Segundo o Real Instituto Elcano (2023), o trumpismo exportou uma nova gramática para a política migratória, baseada na securitização das fronteiras e na construção do imigrante como ameaça cultural e econômica. O uso de discursos de exceção e emergência passou a justificar políticas de contenção mais duras, especialmente em países como Hungria, Polônia e Itália, que passaram a encontrar respaldo simbólico para endurecer suas práticas internas.
A partir de 2025, com o início do segundo mandato de Trump, essa agenda se tornou ainda mais agressiva. Logo nos primeiros 100 dias, o governo implementou um conjunto de medidas de alto impacto voltadas para acelerar deportações e dificultar ainda mais o acesso à regularização migratória. Entre elas, destacou-se o lançamento do “Project Homecoming”, uma iniciativa que oferece incentivos financeiros a migrantes irregulares para que deixem voluntariamente os Estados Unidos sob ameaça de deportações forçadas e punições adicionais para quem permanecer. A proposta foi criticada por organizações internacionais por institucionalizar uma política de coerção disfarçada de voluntariedade (Reuters, 2025).
Além disso, a gestão Trump retomou com força total a prática de detenções em massa, promoveu o esvaziamento de proteções legais para solicitantes de refúgio e passou a ignorar recomendações internacionais em matéria de direitos humanos. Segundo reportagem da Time (2025), houve inclusive desrespeito direto a decisões judiciais relacionadas ao sistema migratório, em um movimento coordenado com o chamado Project 2025, plano elaborado por think tanks conservadores para expandir os poderes presidenciais e reestruturar instituições federais (Time, 2025).
O impacto dessas políticas foi rapidamente sentido na Europa. A lógica de dissuasão migratória, já presente nas fronteiras externas da União Europeia, foi reforçada. Países como Grécia, Hungria e Itália intensificaram acordos com Estados terceiros (como Turquia, Líbia e Marrocos) para impedir a chegada de migrantes, muitas vezes violando normas internacionais de proteção a refugiados.
Durante a pandemia de COVID-19, esse modelo já havia se consolidado com o uso de medidas de emergência para suspender pedidos de asilo, impor quarentenas forçadas e acelerar deportações. O Atlantic Council (2020) alertou que, sob o pretexto sanitário, se estabeleceu uma política de contenção baseada na exceção, que foi posteriormente normalizada como prática permanente.
A Anistia Internacional (2017) já havia apontado as contradições dessa postura:
“A resposta da Europa à crise de refugiados, marcada por detenções em massa, acordos com regimes abusivos e fechamento de rotas seguras, mina sua legitimidade para criticar os Estados Unidos sob Trump.”
No campo da opinião pública, o European Council on Foreign Relations (2023) identificou aumento da rejeição a migrantes em diversos países europeus, especialmente muçulmanos e africanos, em parte alimentado pela retórica de segurança e identidade nacional promovida por Trump.
Ainda assim, houve respostas diferenciadas no interior da União Europeia. Países como Portugal, Suécia e Irlanda adotaram políticas migratórias mais abertas, buscando se distanciar explicitamente do modelo norte-americano. A Comissão Europeia, sob Ursula von der Leyen, apresentou o Pacto sobre Migração e Asilo com a promessa de conciliar responsabilidade com solidariedade, embora críticas tenham apontado que o foco na externalização de fronteiras e nos mecanismos de controle se manteve praticamente inalterado.
“A Europa não erguerá muros. Construiremos pontes com responsabilidade.”
— Ursula von der Leyen, 2021
Mesmo com essa retórica, diversas organizações humanitárias argumentam que a União Europeia continua priorizando o controle sobre a proteção de direitos. As políticas migratórias de Trump, especialmente em sua versão mais radical a partir de 2025, funcionaram como um acelerador para o aprofundamento de estratégias de contenção já presentes na Europa — e também como fator de pressão para a definição de posicionamentos institucionais mais claros, tanto de adesão quanto de oposição.
A análise das reações políticas à radicalização do trumpismo, dentro e fora da Europa, é o tema do próximo tópico.
2. A extrema direita europeia e o efeito Trump
A radicalização das políticas de Trump em seu segundo mandato, iniciado em 2025, acentuou os efeitos já observados desde 2016 sobre o cenário político europeu e ocidental. As ações do governo Trump, como ordens executivas em confronto com decisões da Suprema Corte, deportações em massa, uso político do Departamento de Justiça e tentativas de reestruturação institucional com base no chamado Project 2025, consolidaram um modelo de governo centrado na concentração de poder e no enfraquecimento dos mecanismos de controle democrático (Time, 2025; Politico, 2025).
Esse modelo provocou tanto a aproximação de partidos nacional-populistas quanto reações de repulsa em democracias liberais. No interior da Europa, partidos como o Rassemblement National (França), a Liga (Itália), o AfD (Alemanha), o Vox (Espanha) e o Chega (Portugal) intensificaram o uso de estratégias associadas ao trumpismo: discursos de crise civilizacional, descrédito do sistema judicial, ataques à imprensa e mobilização identitária via redes sociais. A retórica “anti-establishment” e a defesa de fronteiras rígidas passaram a ocupar lugar central nos programas partidários, com referências diretas ou implícitas à experiência norte-americana (ECFR, 2023; Chatham House, 2024).
O European Center for Constitutional and Human Rights (ECCHR, 2025) descreve esse processo como uma contaminação autoritária transnacional, em que o trumpismo funciona menos como exportação institucional formal e mais como modelo discursivo e estratégico replicável em diferentes contextos.
Em 2025, a introdução do Project Homecoming — política que oferece incentivos financeiros a migrantes indocumentados para que deixem os Estados Unidos voluntariamente — foi recebida com fortes críticas por parte de organizações internacionais, que a consideram uma forma de coerção institucionalizada e um atentado aos princípios do direito humanitário (Reuters, 2025).
Ao mesmo tempo, a radicalização da agenda de Trump passou a ser interpretada por setores políticos e jurídicos europeus como uma ameaça direta ao constitucionalismo democrático. Líderes como Emmanuel Macron (França) e Olaf Scholz (Alemanha) reforçaram o discurso em defesa do multilateralismo, da ciência e das instituições jurídicas. Macron, já em 2020, afirmou:
“Trump representa o contrário do que queremos para a Europa: intolerância, hostilidade à ciência e ruptura com o multilateralismo.”
(Financial Times, 2020)
Fora da Europa, essa percepção também se materializou. No Canadá, o Partido Conservador enfrentou perda de apoio popular ao tentar incorporar parte da linguagem política do trumpismo. Sob a liderança de Erin O’Toole e, mais recentemente, Pierre Poilievre, o partido adotou um discurso mais combativo, alinhando-se a pautas culturais e econômicas próximas da nova direita norte-americana. A tentativa de aproximação com a retórica trumpista gerou rejeição entre eleitores moderados e dificultou a manutenção de uma identidade conservadora distinta — processo analisado em relatórios do Toronto Star e do National Post entre 2023 e 2025, e comentado por analistas do Atlantic Council (2025).
Na Austrália, fenômeno semelhante foi identificado. Movimentos de extrema direita buscaram se vincular a pautas negacionistas e antimigratórias inspiradas no trumpismo, mas encontraram resistência significativa tanto nas instituições judiciais quanto na sociedade civil, conforme documentado em relatórios da Human Rights Law Centre (2025) e em coberturas do The Guardian Australia.
Na Europa, o chamado efeito repulsa se manifestou com mais força entre jovens, mulheres e eleitores urbanos, engajados em agendas antirracistas, feministas e de defesa do Estado de Direito. O assassinato de George Floyd, em 2020, e a disseminação do movimento Black Lives Matter na Europa intensificaram essa mobilização, associando o trumpismo a práticas de exclusão, violência institucional e racismo estrutural (ECFR, 2023).
O trumpismo, portanto, tem funcionado como um fator de reorganização política internacional. Em alguns contextos, fortalece partidos de extrema direita e acelera estratégias autoritárias. Em outros, atua como um impulsionador de resistência democrática, defesa das instituições e reafirmação dos direitos fundamentais. A forma como pensadores e juristas europeus têm interpretado esses riscos será explorada no próximo tópico, com foco na erosão do constitucionalismo liberal e nas implicações normativas do trumpismo para a Europa.
3. A deslegitimação das instituições internacionais e os riscos para a ordem jurídica global – análise de juristas europeus
A ofensiva de Donald Trump contra as instituições multilaterais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), gerou forte reação de juristas e intelectuais europeus. Para esses especialistas, os ataques de Trump representam não apenas um rompimento com tradições diplomáticas dos Estados Unidos, mas um perigoso precedente para o desmantelamento do sistema jurídico internacional que sustenta o pós-guerra.
Segundo o Verfassungsblog, o trumpismo impulsionou uma lógica de legalismo estratégico reverso: em vez de usar o direito internacional como estrutura de limitação do poder estatal, passou a instrumentalizá-lo — ou descartá-lo — conforme interesses de curto prazo. Essa postura, segundo o jurista Ignacio de la Rasilla, ameaça corroer a própria autoridade do direito internacional, ao disseminar a ideia de que tratados e tribunais podem ser ignorados sem consequência por grandes potências (Verfassungsblog, 2023).
Juristas como Philippe Sands (Reino Unido) e Martti Koskenniemi (Finlândia) apontam que essa erosão da legitimidade internacional não acontece de forma isolada. Ao ver líderes como Trump atacando publicamente o TPI, sancionando seus membros — como no caso da jurista britânica Amal Clooney — e retirando os EUA de compromissos internacionais, outros governos autoritários sentem-se legitimados a fazer o mesmo.
“Quando o presidente da maior democracia ocidental ridiculariza as instituições de justiça global, ele oferece cobertura simbólica para que ditadores reais façam o mesmo — mas sem as amarras internas.” — Philippe Sands
Esse tipo de conduta é descrito por analistas do ECCHR (European Center for Constitutional and Human Rights) como parte de uma erosão deliberada do sistema multilateral, em que as normas internacionais deixam de operar como mecanismo de responsabilização para se tornarem reféns da geopolítica (ECCHR, 2025).
Os riscos apontados por esses especialistas são múltiplos:
- Desestímulo à cooperação internacional: Ao minar a credibilidade de instituições como a ONU, Trump contribuiu para a fragmentação de iniciativas de coordenação global — desde a mudança climática até o enfrentamento de pandemias.
- Desmobilização dos direitos humanos: Segundo a Amnesty International, ao sancionar o TPI, Trump atacou diretamente um dos poucos mecanismos internacionais disponíveis para as vítimas de genocídio, crimes de guerra e tortura. Essa postura cria um efeito de gelo sobre a atuação de advogados e defensores de direitos humanos ao redor do mundo (Amnesty International, 2025).
- Relativização do Estado de Direito internacional: A ACLU e juristas do European Journal of International Law argumentam que a negação das obrigações jurídicas internacionais, quando promovida por potências globais, corrói a própria ideia de que o direito deve se sobrepor à força — princípio central da ordem liberal pós-1945 (ACLU, 2020; EJIL:Talk, 2021).
- Enfraquecimento da jurisdição universal: O desprezo de Trump pelo TPI esvaziou o papel da justiça internacional como instrumento contra a impunidade — especialmente em países sem sistema jurídico independente. Como alertou Martti Koskenniemi, “a legitimidade do TPI depende da autoridade moral das democracias ocidentais — e quando elas se retiram, abrem caminho para o cinismo jurídico global.”
Esses perigos não passaram despercebidos pela União Europeia. A Comissão Europeia intensificou sua retórica em defesa da ordem multilateral, promovendo iniciativas para fortalecer o TPI e reafirmando seu compromisso com o Acordo de Paris, a OMS e o sistema de tratados de direitos humanos. Essa resposta institucional buscou mitigar os danos à arquitetura jurídica global provocados por Trump.
Contudo, como alertou o European Council on Foreign Relations, a retórica europeia não é suficiente se não vier acompanhada de ações concretas. A deslegitimação dos organismos internacionais não é apenas um problema de diplomacia, é uma ameaça estrutural à estabilidade normativa do mundo contemporâneo.
“Trump não apenas ameaçou a legalidade internacional — ele a ridicularizou. E isso é, para o direito internacional, tão destrutivo quanto a violação em si.” — ECFR, 2023
4. Retrocessos nos direitos das minorias e o impacto simbólico global – a leitura crítica de pensadores europeus
Durante seus mandatos, Donald Trump promoveu uma série de medidas que afetaram diretamente grupos vulnerabilizados: comunidades LGBTQIA+, imigrantes, mulheres, populações negras e povos indígenas. A radicalização dessas políticas a partir de 2025 acentuou preocupações entre juristas e intelectuais europeus, que passaram a interpretar o trumpismo como um projeto de erosão deliberada da universalidade dos direitos humanos.
Um exemplo escancarado foi a remoção, pelo governo Trump, de páginas sobre HIV, saúde LGBTQIA+ e direitos reprodutivos dos sites oficiais dos CDC e do Departamento de Saúde, bem como a dissolução do Presidential Advisory Council on HIV/AIDS. Para juristas europeus, tais medidas configuram um apagamento institucional de direitos básicos de acesso à informação e à saúde (Amnesty International, 2025; NPR, 2025).
Susanne Baer, juíza do Tribunal Constitucional alemão, afirmou que essa política de silenciamento representa uma erosão do reconhecimento jurídico das minorias e compromete diretamente o princípio da dignidade humana, eixo estruturante do constitucionalismo europeu. Segundo Baer, quando um Estado escolhe ignorar sistematicamente os direitos de determinados grupos, ele rompe o pacto democrático e institucionaliza a exclusão.
No campo cultural, o cineasta Pedro Almodóvar declarou, ao receber o Prêmio Chaplin em Nova York:
“Trump é a catástrofe do nosso tempo. Um homem que representa o retrocesso em tudo que a humanidade levou séculos para conquistar.” (The Guardian, 2025)
Catherine Colliot-Thélène, filósofa francesa especialista em Hannah Arendt, argumenta que o trumpismo reativa formas de poder baseadas em identidades excludentes (etnia, nacionalidade, gênero) em detrimento de princípios universais. Essa lógica, segundo ela, subverte os fundamentos do jus humanismo europeu.
A reversão do caso Roe v. Wade, pela Suprema Corte dos EUA composta majoritariamente por juízes indicados por Trump, também teve forte repercussão. A decisão foi amplamente criticada por instituições como a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Parlamento Europeu, que reafirmaram a autonomia corporal como pilar da cidadania (Parlamento Europeu, 2023). Para o Grupo de Direitos das Mulheres do Parlamento Europeu, Trump criou um laboratório institucional para os inimigos dos direitos sexuais e reprodutivos no mundo.
A relatora da ONU para a saúde, Tlaleng Mofokeng, apoiada por juristas europeus, classificou essas ofensivas como formas de colonialismo moral. O conceito foi expandido por Boaventura de Sousa Santos, que identifica no trumpismo a reativação de uma hierarquia de humanidade que naturaliza a exclusão legal.
Costas Douzinas (Grécia) e Frédéric Mégret (Canadá/Europa) sustentam que o trumpismo mobiliza uma estética política regressiva, na qual o ódio é convertido em linguagem pública aceitável, e a exclusão, em instrumento de ordem. Essa mudança, segundo os autores, afeta não apenas o sistema de proteção legal, mas também a própria linguagem do direito.
O European Council on Foreign Relations (2023) observou que, na Europa, o trumpismo facilitou a difusão de discursos contra a ideologia de gênero, o feminismo, o antirracismo e os direitos LGBTQIA+. A permissividade simbólica gerada pela figura de Trump ampliou o espaço para discursos anteriormente marginalizados.
Em contraponto, formou-se uma nova geração de juristas e ativistas, especialmente jovens, que passaram a reivindicar uma concepção interseccional e ampliada dos direitos humanos, articulando questões de gênero, raça, meio ambiente e justiça econômica. Pesquisas do Institut Montaigne e do European Network Against Racism confirmam esse processo de mobilização reativa ao trumpismo.
A filósofa espanhola Marina Garcés sintetiza esse risco:
“Quando a linguagem dos direitos é substituída pela retórica do ressentimento, o Estado de Direito se dissolve no moralismo autoritário.”
5. Negacionismo ambiental e justiça climática: o impacto global das políticas de Trump sob a ótica europeia dos direitos humanos
A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2017, durante o governo Trump, foi interpretada por lideranças políticas e intelectuais europeias como um golpe simbólico e material à luta global por justiça climática. Mais do que uma decisão geopolítica, a atitude de Trump foi lida como uma negação explícita do direito ao meio ambiente saudável, um direito que, segundo juristas europeus, deve ser reconhecido como fundamental e interdependente dos demais direitos humanos.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou a afirmar que “quando os Estados Unidos se afastam da ciência e do planeta, a Europa precisa liderar a defesa do futuro“. A resposta imediata foi a aceleração do European Green Deal, que buscava não apenas metas climáticas ambiciosas, mas também se consolidar como um marco normativo de transição ecológica com base em direitos (Financial Times, 2025).
Juristas como David Boyd, relator especial da ONU para meio ambiente e direitos humanos (com forte apoio europeu), argumentam que a negação do aquecimento global por Trump e a revogação de dezenas de regulações ambientais nos EUA representam uma forma moderna de violação de direitos humanos em massa. Segundo Boyd, tais ações afetam de forma desproporcional comunidades racializadas, povos indígenas e populações pobres — especialmente nos Estados do Sul-americano, mas também em nível global, dada a dimensão dos impactos climáticos planetários.
“A política ambiental de Trump não é apenas um retrocesso ecológico, mas uma violência distributiva de escala global.” — David Boyd
Essa leitura tem sido amplamente endossada por juristas europeus ligados à tradição do direito ecológico. A jurista francesa Mireille Delmas-Marty, pouco antes de sua morte, defendeu que o trumpismo simboliza uma ruptura do pacto intergeracional, ao ignorar obrigações jurídicas relacionadas à sustentabilidade e ao futuro das próximas gerações.
No campo acadêmico, pensadores como Bruno Latour (França) e Andreas Malm (Suécia) também analisaram o trumpismo como um projeto político de guerra contra o planeta. Latour destacou que o governo Trump não só rejeitou acordos climáticos, mas operou deliberadamente para desmontar as condições de coabitação planetária, colocando a negação climática no centro da identidade política da extrema direita.
“Trump nos ensinou que, para a nova extrema direita, negar o clima é também negar a solidariedade.” — Bruno Latour
O European Council on Foreign Relations (ECFR, 2023) alertou que o efeito Trump se espalhou por partidos populistas europeus, que passaram a relativizar a ciência ambiental e a opor-se às regulações climáticas em nome de uma suposta soberania energética e liberdade de mercado. Isso ocorreu na Polônia, Hungria, Itália e, mais recentemente, nos Países Baixos, onde partidos conservadores atacaram o Green Deal europeu com base em argumentos semelhantes aos usados por Trump entre 2016 e 2020.
Além disso, ONGs como a Friends of the Earth Europe e a Amnesty International passaram a denunciar a destruição ambiental como uma nova forma de violação sistemática de direitos humanos, reivindicando a responsabilização de líderes políticos por omissão climática — algo inviabilizado nos EUA sob Trump, onde órgãos como a Environmental Protection Agency (EPA) sofreram esvaziamento técnico e orçamentário deliberado.
Essa perspectiva vem sendo fortalecida por decisões judiciais europeias que reconhecem o direito ao meio ambiente como exigível. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em 2024, reconheceu em decisão histórica que a Suíça falhou em proteger seus cidadãos dos efeitos da crise climática, abrindo precedente direto para a vinculação entre clima e direitos fundamentais, uma jurisprudência oposta à que prevaleceu nos EUA sob Trump.
As leituras jurídicas e políticas que emergem da Europa indicam que as ações ambientais do governo Trump não podem ser vistas de forma isolada, mas como parte de um projeto mais amplo de desestruturação normativa. Ao romper com o pacto internacional de responsabilidade ambiental, o trumpismo desafia diretamente os fundamentos da justiça climática e fragiliza compromissos intergeracionais que sustentam os direitos humanos no século XXI.
Dora Nassif – Advogada e Mestranda em Direitos Humanos, Universidad Pablo de Olavide, em Sevilla
Referências
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