A alta da inflação de junho, de apenas 0,21%, diante da elevação de 0,46% em maio e da variação projetada pelo mercado, de 0,35%, é animadora. Confirma um percurso de baixa do índice entre 2022 e 2023, em especial no que se refere aos preços dos alimentos. Um fato econômico com significado político relevante, a julgar pelo resultado de pesquisas recentes de avaliação do governo. Os levantamentos sugerem uma correlação entre o aumento do apoio popular ao terceiro mandato do presidente Lula e a queda expressiva da inflação para os mais pobres, com renda até 2 salários mínimos. Era de 6% um ano e meio atrás, passou a 3,2% em maio deste ano.
Em que pesem as seguidas declarações alarmistas do presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre o risco fiscal e seu efeito inflacionário, a economia vai bem e a inflação não inspira preocupações excessivas. “Ao longo do último trimestre, os dados de inflação ao consumidor mostram que, apesar do aumento mais expressivo dos preços na margem, o processo de desinflação na economia brasileira segue em curso”, escrevem Maria Andréia P. Lameiras e Marcelo Lima de Moraes em informe do Ipea.
Em maio, prosseguem os economistas, após sete quedas consecutivas, a inflação acumulada em 12 meses, medida pelo IPCA, voltou a acelerar, registrando taxa de 3,93%, em consequência, principalmente, de alta mais forte dos preços de alimentos. Eles destacam, porém, que metade da inflação de 0,66% na alimentação em domicílio, apontada no IPCA em maio, deve-se ao aumento de 3,6% dos alimentos registrado em Porto Alegre, em consequência das enchentes no Rio Grande do Sul. Lameiras e Moraes sublinham, porém, que, apesar da aceleração prevista da inflação ao consumidor em 12 meses, a perspectiva de redução se mantém.
A principal explicação para o resultado surpreendente da inflação medida pelo IPCA em junho é o comportamento dos preços dos alimentos, mesmo diante da ausência de estoques reguladores, do problema no Rio Grande do Sul, dos leilões de arroz que não deram certo, do aumento da renda e do consumo, da agricultura familiar que ainda não deslanchou. “A inflação neste mês ficou muito próxima da meta estabelecida e das bandas da meta inflacionária. Não necessariamente aponta, contudo, uma trajetória de desaceleração. Acho que pode ser um efeito sazonal”, ressalta o economista Saulo Abouchedid, professor da Facamp.
O Banco Central brasileiro só ouve o mercado financeiro, o dos EUA também consulta sindicatos de empresários e trabalhadores
É preciso considerar, prossegue, não só o efeito da alta súbita do dólar na inflação do País, que se estenderá aos próximos meses, mas também os preços das commodities. Segundo o portal Trading Economics, os valores da soja e do milho registram queda desde o início do ano.
O efeito imediato projetado das enchentes no Rio Grande do Sul foi superdimensionado, aponta o professor da Facamp, e pode refletir-se ainda nos próximos meses. Quanto ao IPCA, a baixa parece ser mais um movimento específico, particular, do que uma tendência de desaceleração, porque alguns fatores, como a elevação dos preços dos combustíveis pela Petrobras, tendem a pressionar o nível de preços no próximo semestre.
“Há vários sinais diferentes em relação à inflação. O mais preocupante é que a análise do BC, que seria o condutor das expectativas inflacionárias, acaba se concentrando principalmente no debate fiscal, em lugar de endereçar políticas contra a inflação tendo em vista as causas específicas”, sublinha Abouchedid. A autoridade monetária presta ainda um desserviço ao simplificar a visão sobre a inflação, reduzindo-a a um subproduto da situação fiscal, e isso dificulta a compreensão ampla, por parte da sociedade, de um fenômeno complexo com várias facetas, aponta o professor.
O relatório de inflação de junho do Banco Central contém uma análise “muito tímida” em relação ao crédito e ao consumo. O ritmo de queda da taxa Selic diminuiu e agora paralisou. O BC não aponta, porém, qual é o efeito disso sobre o crédito, o saldo de crédito, o nível de endividamento das famílias, apesar de isso ser importante também para a política monetária, nem informa quais políticas creditícias poderiam ser adotadas para enfrentar o problema, dispara o economista.
No relatório, o BC analisa também o câmbio, mas não aborda o overshooting, ou variação fora do padrão, da taxa de câmbio. Nas últimas semanas, não só a moeda brasileira, mas também outras moedas periféricas e emergentes se desvalorizaram em relação ao dólar. No Brasil houve, no entanto, um movimento especulativo que fez com que o real se desvalorizasse mais do que as outras. “Por que o BC não agiu para refrear esse movimento? Qual foi o efeito de não ter atuado? Qual é o impacto desse salto na taxa de câmbio sobre os preços? Campos Neto deveria justificar. Por que o BC não interveio no mercado de câmbio no momento da disparada, pensando no efeito inflacionário? Isso deveria constar no relatório de inflação”, insiste o professor da Facamp.
As lacunas e omissões reforçam a impressão de que o BC orienta a sua análise da inflação para justificar o comportamento assumido em relação à política monetária. “Há uma tentativa de articulação entre a sua condução da política monetária e a sua análise da inflação. Ele usa o relatório para justificar seu comportamento”, reforça Abouchedid.
O discurso de que é preciso ter uma autoridade monetária em um pedestal, em uma torre de marfim, sem influência dos governos que gastam, para poder controlar a política monetária e o comportamento dos preços é enganoso, não faz sentido quando se considera a história, destacou a economista Leda Paulani, professora titular da USP, em debate do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, o IREE.
A lei de autonomia do BC, acrescentou a economista, estabelece como suas funções monitorar ou preservar a estabilidade e o valor da moeda nacional, preservar o emprego e o crescimento do Produto Interno Bruto, entre outros objetivos. Como entidade pública, o BC teria de atuar no sentido de “remar junto” com a economia do País. Sendo autônomo no sentido definido na lei, ele pode, contudo, fazer o contrário.
“Hoje, neste momento de muita especulação, de muitas nuvens que se formaram de caso pensado, pelo atual presidente do BC, para criar um tumulto, uma confusão, para ter argumentos para não reduzir mais as taxas de juro, desqualificar diretores que foram indicados no governo atual, tudo isso mostra como é complicada essa lei”, observa Paulani.
O relatório de inflação do BC contém uma análise tímida em relação a crédito e câmbio
A economista menciona a presença de Campos Neto em um evento organizado em junho pelo governador de São Paulo, quando teria aceitado a possibilidade de ser ministro no caso de Tarcísio de Freitas ser eleito presidente no futuro. Na ocasião, assistiu a uma apresentação de técnicos do IBGE que apontava a trajetória de queda da inflação. “Com a maior desfaçatez do mundo, reconheceu que isso era bom, mas acrescentou que as expectativas estão piorando. Quer dizer, ele joga isso, o mercado ouve, repercute, e depois ele diz que não pode baixar os juros porque o mercado está dizendo que as expectativas pioraram. Só que o mercado diz isso porque ouviu dele”, dispara Paulani. O BC do Brasil, ao contrário do Fed, dos EUA, consulta apenas o mercado financeiro para determinar quanto deverá ser a taxa de juros, enquanto o Banco Central estadunidense ouve sindicatos de indústrias e de trabalhadores e outras instituições. “Aqui, não, fica uma conversa de compadres”, lamenta a professora.
Para Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, no curto prazo há uma trajetória benigna. A inflação tem caído desde 2022 e neste ano deverá ser menor que no ano passado, quando houve uma deflação muito forte de alimentos. Em 2024, sublinha Mello, não haverá a mesma deflação, mas é natural, há diversos motivos para isso, em particular em relação a alimentos. Os preços externos e a taxa de câmbio importam, obviamente, e eventos climáticos extremos também, por afetarem a produtividade e o volume de produção dos alimentos.
De acordo com o secretário, o governo está tomando todas as ações para garantir um crescimento na produção de alimentos no Brasil. O Plano Safra está reforçado, com agricultura familiar contemplada e taxas de juro bem baixas para a produção de alimentos e itens que frequentam a mesa do brasileiro. Há também uma perspectiva positiva do ponto de vista da produção de alguns alimentos na próxima safra. “Não acho que tenhamos problemas claros ou facilmente identificáveis nesse próximo ano. Isso não impede, claro, que um evento climático extremo, como uma seca, ou excesso de chuva, impacte os preços de alguns alimentos. Houve aumento de preços de certos alimentos no início do ano, mas já está em parte se revertendo. O cenário é positivo, temos uma série de medidas para garantir que a produção e o abastecimento sejam suficientes para dar conta da demanda, e isso ajuda, evidentemente, na perspectiva de inflação a médio e longo prazo.”
Mello acrescenta que é muito difícil fazer essas projeções, porque há vários fatores que podem pressionar os preços para c