Na final da Copa do Mundo de Clubes, no domingo passado, o futebol de campo (Chelsea) derrotou o futebol de salão (PSG), em uma partida memorável. Para quem gosta do esporte, foi uma tarde de júbilo, coroada com a apresentação de gala de seu protagonista e regente: Cole Palmer.
Antigamente, o Brasil tinha meio-campistas assim. O vira-latismo dinheirista dos nossos ‘grandes clubes’ parou de fabricá-los por falta de demanda externa. O futebol brasileiro é como a economia do País: desprovido de projeto próprio, vive (ou sobrevive) produzindo o que os gringos solicitam. Como o guardiolismo transformou o futebol global em futebol de salão, o mercado europeu deixou de comprar esse tipo de “produto”. E nós, consequentemente, paramos de fazê-lo.
Mas faz algum tempo que o guardiolismo, degenerado em “tic-tac” maníaco, esgotou-se como ideia futebolística. Este Mundial de Clubes foi o ponto de inflexão dessa história.
Afora a derrota do próprio Guardiola, os clubes que vivem de copiá-lo (Palmeiras incluso) foram todos derrotados por outro futebol, que retoma a escola anterior da contundência sem bola. Na vitória sobre o City, o recado do Al Hilal já era claro, jorrado em petrodólares: “Ok, Pepe, você pode ficar com a bola debaixo do braço, já que gosta disso.” Assim, o Bayern também derrotou o Flamengo. O Chelsea — ignorado pela imprensa esportiva oficial do Brasil — venceu o Palmeiras com lances de ‘bote’, pressão e altíssima velocidade. Na sequência, engoliu o Fluminense e moeu o PSG.
No dia da final, porém, a degeneração e a morte do guardiolismo foram ilustradas não apenas pelo comando soberbo do “cold” Palmer e do brasileiro João Pedro, mas sobretudo por um lance perdido. O jogo ainda estava zero a zero quando o craque-nutella Désiré Doué ficou frente a frente com Robert Sanchéz (o goleiro do Chelsea). A decisão guardiolista de Doué foi não chutar a gol, preferindo o “toquinho” para o lado, visando um companheiro “aparentemente” melhor colocado. Nosso craque ancestral Roberto Rivellino chamava essa mentalidade por seu nome próprio: “rapa-bosta.”
Na última década, o “rapa-bosta” foi a tônica do futebol ultra-capitalista e mecanizado praticado pelo jet-set espanhol, futebol cuja falta de brilho e sonolência foi perfeitamente encoberta pela obra de um gênio: Lionel Messi. Não existe memória plástica do Bayern de Guardiola, nem haverá do time insosso que ele comanda hoje (Manchester City), uma equipe azeitada como justa engrenagem — eficiente, porém opaca —, repleta de “craquinhos” de supermercado como Haaland e Rodri.
A tanguera vitória argentina sobre a França, na Copa de 2022, foi a gloriosa antessala desse fim de época. Enzo Fernández — o camisa 8 deste Chelsea campeão — estava em campo também naquela partida e é agora triplamente consagrado: campeão mundial de seleções (Argentina, 2022), campeão da Copa América (Argentina, 2024) e campeão mundial de clubes (Chelsea, 2025).
Enquanto isso, a cartolagem brasileira continua ceifando nossas categorias de base: incita volantes defensivos, ponteiros velozes e atacantes corpulentos. Meio-campista que é bom, necas. João Pedro haverá de redimir uma parte desse estrago, mas continuará nos faltando a outra. (A chapação mental do subdesenvolvimento sempre colocará a culpa no dinheiro, com sua habitual malandragem. Glauber Rocha, entretanto, já dizia nos anos 1960: a falta de dinheiro pode ser convertida em uma estética da inteligência, desde que se tenha inteligência para isso.)
O Brasil, pelo sim pelo não, tem chances em 2026 porque pode acontecer algo relevante na fusão de Ancelotti e João Pedro. Embora muito diferentes entre si, Brasil e Itália são escolas antídoto ao futebol posicional que agora se esvai. Faltará a Ancelotti, no entanto, o meio-campista que Rodrygo não está querendo ser. Ele tem um ano para achar a solução.
Nesse Chelsea 3×0 PSG, nada pôde ser mais sintomático do que o treinador espanhol Luis Enrique autorizando as botinadas ridículas do seu plantel de boutique e, ainda por cima, perdendo a cabeça no fim do jogo, estapeando o atacante brasileiro João Pedro.
O guardiolismo morreu no domingo passado, às seis em ponto da tarde. Resta saber quantas vidas possui.