Segundo informa artigo no sítio da revista Istoé Gente, o Ministério Público da Bahia recebeu uma denúncia contra a cantora baiana, que virou evangélica anos atrás, após uma suposta postura discriminatória ao substituir o termo ‘Iemanjá’ por Yeshua, palavra em hebraico que algumas religiões entendem como Jesus.
A denúncia foi feita pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (IDAFRO) e pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro, após um vídeo na internet ter motivado a representação contra a cantora.
O trecho da música que diz “Saudando a rainha Iemanjá” foi substituído por “Eu canto meu Rei Yeshua”.
Caso a denúncia seja aceita pela promotoria, a cantora pode ser condenada por crime de racismo.
Há dois aspectos a serem analisados do caso. Em primeiro lugar, trata-se de mais um caso em que a Justiça reacionária é usada para supostamente defender os oprimidos. Essa suposta defesa dos oprimidos está sendo usada e manipulada para aumentar o poder das instituições repressivas do Estado.
No final das contas, quem vai sofrer com esse fortalecimento da repressão serão os oprimidos. O Ministério Público, hoje finge que se preocupa com o racismo, amanhã está ajudando o Judiciário e a polícia a massacrar mais negros, como já acontece.
As entidades ligadas às religiões de matriz africana têm todo o direito de interpretar a atitude da cantora como preconceituosa e racista. Sem dúvida, impulsionada pelos pastores reacionários, a cantora tem uma péssima visão das religiões tradicionais de matriz africana.
No entanto, o uso do Judiciário não vai resolver o problema, mas piorá-lo. Não deveria ser tão difícil prever que se alguma coisa oposta acontecer, por exemplo, um evangélico se sentir vítima de preconceito, ele terá muito mais respaldo do Judiciário.
Cada religião deve ter o direito de professar sua fé sem a interferência do Estado. Mas também, cada religião deve ter o direito de falar aquilo que acha sobre as outras religiões desde que não haja um ato de violência física.
Um praticante do candomblé tem todo o direito de achar que a religião evangélica é “inferior”, ou seja, não pratica de fato a sua fé. Um evangélico, por sua vez, também deve ter o direito de achar o mesmo daqueles que praticam o candomblé.
É natural que uma religião se ache melhor do que a outra, afinal, se não fosse assim, existiria apenas uma religião.
Uma explicação necessária: a opinião que cada religião tem sobre a outra não tem nada a ver com a convivência pacífica entre as religiões. Essa convivência é fator essencial para que a sociedade possa existir sem conflitos religiosos, mas isso independe da opinião que uma religião tem da outra.
O que está acontecendo nesse caso envolvendo a cantora é que o Estado está sendo chamado a tomar partido a favor de uma determinada religião contra a outra, tendo como base uma expressão, uma opinião que foi emitida numa música. O Estado não tem que tomar essa posição, primeiro porque ele deveria ser laico. Mas se aqueles que defendem a punição à cantora não se convenceram disso, basta pensar um pouco: se o Estado nesse caso pode entrar com seu poder para “defender” a religião de matriz africana – vale ressaltar as aspas nesse “defender” – o que fazer quando ocorrer o contrário?
Portanto, ao usar o Judiciário contra a cantora, os denunciantes estão apenas incentivando o uso da repressão estatal, que deveria se manter fora disso, contra a opinião de outra religião.
Dito tudo isso, é preciso falar sobre a atitude da cantora. Sem dúvida, alterar uma letra de música para adequá-la à sua crença é um atestado de ignorância.
A mudança na letra revela que a influência das religiões evangélicas, a maioria impulsionadas pelo imperialismo norte-americano, é muito perniciosa para a cultura nacional. A formação cultural do Brasil se deu, apesar de toda a repressão contra os negros e índios que deve obviamente ser levada em consideração, baseada num sincretismo religioso. O neo-pentecostalismo vai totalmente contra isso, por isso a sua rejeição total a qualquer coisa que lembre as religiões de matriz africana e até mesmo ao catolicismo.
A atitude da cantora é ridícula, de extremo mau-gosto. Mais ridícula ainda porque o estilo musical que ela canta chama-se Axé, que por si só já seria uma referência à cultura negra.
Demostra ainda que a cantora tornou-se evangélica, mas gosta mesmo é do dinheiro que ganha com suas gravações. Não fosse assim, se fosse coerente, a cantora deixaria de cantar Axé para se dedicar à música gospel. No entanto, para não perder seu público, seu espaço na rádio e programas de TV, ela prefere alterar e vandalizar uma música já existente.
Porém, o mau gosto e o oportunismo, ainda que possam ser condenáveis moralmente, não podem ser objeto de perseguição estatal.