O artigo Fracasso da Frente Ampla abre oportunidade para Lula, publicado no sítio Esquerda online e assinado por Gabriel Casoni do Resistência-PSOL, parece reconhecer o fracasso da frente ampla, política de conciliação entre setores da direita e da esquerda, porém, não é o que acontece, afinal. “No momento de máximo risco, o petista foi a salvaguarda política do regime democrático ameaçado pelo golpismo fascista”, diz Casoni, acrescentando ainda:
“Os capitalistas liberais deixaram explícito que essa aliança com Lula era circunstancial, algo pontual, sem bases programáticas, sem projeto comum de país. A Globo, Armínio Fraga, o Itaú, entre outros expoentes desse setor, sempre defenderam as contra-reformas de Temer e Bolsonaro. O desmonte dos direitos trabalhistas e da aposentadoria. A independência do Banco Central do governo. As privatizações do patrimônio público. A austeridade neoliberal com o Teto de Gastos. A brutalidade racista das polícias nas periferias e favelas. A acelerada destruição ambiental promovida pelo agro. Enfim, o problema para esse segmento da burguesia nunca foi o plano econômico de Paulo Guedes ou as terríveis condições de vida do povo trabalhador durante o governo Bolsonaro. A divergência com o fascismo estava concentrada na preservação do regime democrático-liberal contra a tentativa de golpe de Estado.” (grifo nosso).
Ora, se os “expoentes desse setor” da burguesia com os quais o PT se aliou para governar estavam “concentrados na preservação do regime democrático-liberal”, seríamos forçados a acreditar que os responsáveis pelo golpe militar de 1964 e da ditadura subsequente, do golpe de 2016 e o golpe de 2018 (responsável por tirar Lula das eleições e colocar Bolsonaro na presidência da República), tem na questão democrática uma preocupação maior do que “o plano econômico de Paulo Guedes ou as terríveis condições de vida do povo trabalhador durante o governo Bolsonaro”. Dado que o bolsonarismo continua sendo uma força política considerável e em ascensão, o mais lógico seria esse setor da burguesia seria se aliar a Lula. Não é, no entanto, o que está acontecendo e não preciso muita imaginação para entender o motivo.
Ao contrário do que fantasia Casoni, o setor mais poderoso da burguesia nunca teve problema algum em governar sob o porrete do fascismo, o que fica evidente, por exemplo, pelos elogios dispensados ao presidente argentino Javier Milei. O que eles não conseguem lidar é com um governo com bases sociais reais, como é o caso de Jair Messias Bolsonaro.
Sendo um político popular, Bolsonaro tem mais dificuldade em entregar o que o imperialismo quer, porque finalmente, a Argentina está demonstrando que os monopólios querem um programa de devastação econômica sem paralelo com a história da América Latina, algo que permita extrair a máxima riqueza da região de modo a preservar os países centrais do imperialismo. Nem que para isso, precisem arrasar o Brasil inteiro.
Bolsonaro sabe o custo dessa política e em sua passagem pelo Planalto relutou em entregar tudo o que os banqueiros demandavam. Nada em sua política mudou, mas a conjuntura sim.
Se antes o imperialismo precisava de Lula para disciplinar o bolsonarismo, o líder petista já não é mais tão necessário para essa tarefa. Isso, acima de tudo, é o que matou a frente ampla. Não foi a esquerda que decretou seu fim, o objetivo de desmoralizar o governo já se encontra em um estágio em que dificilmente a crise poderá ser superada e o caminho da chamada “terceira via” está pavimentado.
Isso dito, ao creditar a “preservação do regime democrático-liberal” à aliança do PT com o imperialismo, o que o Resistência está defendendo é justamente a manutenção da frente ampla. Finalmente, trata-se de uma tarefa que ainda está posta, visto que as eleições municipais de 2024 projetaram um franco crescimento do bolsonarismo e desde então, o campo só cresceu, na crise do governo petista.
Se a aliança responsável por afundar o governo na pior onda de reprovação da história de Lula podia ser uma “inteligência tática” em 2022, também pode ser agora, uma vez que a ameaça de retorno da extrema direita aumenta na mesma proporção em que a situação do governo se torna mais crítica. O descolamento total da frente ampla seria o passo necessário para a sobrevivência de Lula, mas não é o que está posto e tampouco, é o que está sendo defendido por Casoni.
Desde o começo, a propaganda da direita para se infiltrar na esquerda por meio da frente ampla foi a “defesa da democracia”. Se o Resistência continua na política da “defesa da democracia”, é sinal que a tendência psolista defende a manutenção dessa tática que só produziu derrotas e crises.