O mais recente sucesso da Netflix, “Sob as Águas do Sena”, está chamando atenção por exageros no cinema-catástrofe, abrindo uma possibilidade que extrapola a criatividade, gerando muitos comentários nas redes sociais por motivos que têm tudo a ver com qualquer coisa, menos cinema.
O filme francês é estrelado pela bonita franco-argentina Bérénice Bejo e a direção é de Xavier Gens. Traz a iluminada Paris às vésperas da Olimpíada, palco de uma loucura que mescla terror e pesadelo ambiental, povoada por tubarões mutantes no meio de uma prova de triatlo no magnífico Sena.
Esse abacaxi está mais próximo dos blockbusters americanos com monstros e com um verniz de ativismo ecológico. Como diversão superficial “consciente”, tenta alertar os jovens para a tragédia da sociedade de consumo desenfreada em um planeta à beira do abismo; pode ser enxergado até como bem-intencionado, mas esbarra na desgraça do roteiro, nas atuações canastronas, em tudo, enfim.
O interessante, se é que se pode chamar assim, é ver uma Paris em ângulo diferente, de dentro do Sena, explorando suas entranhas medievais subterrâneas, pouco visitadas pelo cinema.
Existe ainda um acusação de plágio: a história é semelhante a um projeto do diretor e escritor francês Vincent Dietschy. Ele falou ao Le Monde que começou a trabalhar em um projeto chamado “Silure”, que significa “bagre”, em 2011. A ideia do filme planejado está registrada em documentos de 2014 e diz o seguinte:
“Uma jovem policial que trabalha como mergulhadora na brigada fluvial de Paris depara com um novo tipo de fenômeno natural, representado por um bagre gigantesco, terrivelmente agressivo e que mata homens. Como o monstro causa pânico na capital e ameaça as políticas do prefeito poucos dias antes da decisão sobre qual cidade sediará os Jogos Olímpicos, a heroína está na linha de frente para enfrentar esse novo tipo de mal. Em sua luta, ela conta com o apoio de um jovem ictiólogo do CNRS e, ao mesmo tempo, se aproxima de seu superior, o comandante.”
Já a sinopse oficial de “Sob as Águas do Sena” é a seguinte:
“É o verão de 2024 e Paris está sediando o Campeonato Mundial de Triatlo no Sena pela primeira vez. Sophia, uma cientista brilhante, fica sabendo pelo jovem ativista ambiental Mika que um tubarão gigante está à espreita nas profundezas do rio. Se quiserem evitar um banho de sangue no coração da cidade, eles não terão escolha a não ser cooperar com Adil, o chefe da brigada fluvial da polícia de Paris.”
A história de “Sob as Águas do Sena” tem paralelos com “Silure”. O filme de Xavier Gens é sobre um tubarão e a heroína não é uma policial, mas uma cientista.
Dietschy relata que não conseguiu obter financiamento para “Silure” e o roteiro não foi concluído. Em 2022, ele descobriu o projeto da Netflix com o título provisório de “Sharks”, que depois se tornou “Sob as Águas do Sena”. Após várias tentativas de contato, Dietschy decidiu entrar com uma ação judicial por concorrência desleal contra os produtores e um agente.
Ele também está buscando bloquear o filme até que se chegue a um veredicto, conforme relata o Le Monde. No último dia 14 de junho foi realizada uma audiência sobre o tema, informa o site Nice-Matin. Os criadores do suspense da Netflix negam as acusações.O produtor Edouard Duprey negou as acusações ao Le Monde: “Não conheço esse senhor. Nunca li ou vi seu projeto… Não há nada aí”.
O diretor Xavier Gens disse ao Nice-Matin que tais acusações são feitas o tempo todo: “[Dietschy] é alguém que teve uma ideia para um roteiro. Nós fizemos um filme. Nós realmente nos esforçamos para torná-lo crível, e conseguimos. Mas acho que [os outros] não escreveram uma página sequer. Portanto, é fácil dizer que teve a ideia. Isso acontece o tempo todo. Sinto que está se tornando um clichê.”
As próximas semanas mostrarão o andamento do processo. “Sob as águas do Sena” continua disponível no catálogo da Netflix, com seu show de computação grafica ultra-realista e fotografias incríveis da Cidade Luz, sua história estapafúrdia e sua picaretagem irresistível.
“Os filmes são tão raramente uma grande arte que, se não pudermos apreciar um grande lixo, temos muito poucos motivos para nos interessarmos por eles”, disse a maior crítica de cinema da história, Pauline Kael.