Para a mulher da fábrica, da lavoura ou da periferia, as prioridades são bem concretas: salário digno, creche para os filhos, transporte seguro, comida na mesa, um teto para morar. No entanto, o feminismo burguês e pequeno-burguês raramente aborda esses problemas urgentes. Enquanto as teóricas e figuras de destaque discutem quantas mulheres ocupam cargos de chefia ou quantas CEOs existem em grandes empresas, milhões de brasileiras seguem sem direitos básicos e sem acesso a serviços públicos de qualidade. Colocar algumas mulheres no alto escalão do governo ou de corporações não resolve o dia a dia da maioria. Exemplos não faltam: tivemos uma mulher na presidência do Brasil e temos várias ministras; países como os EUA já tiveram até vice-presidente mulher. Mas nada disso, por si só, enche o prato das trabalhadoras pobres ou garante seus direitos. Ter figuras femininas no poder não adianta se elas próprias aplicam políticas contra o povo ou se o sistema continua o mesmo. Uma Ursula von der Leyen na Europa ou uma Kamala Harris nos EUA não representam os interesses das mulheres da classe operária, e sim de uma minoria privilegiada.

O feminismo institucional vigente também tende a enxergar “as mulheres” como um bloco único, apagando as diferenças de classe entre uma patroa e sua empregada, por exemplo. Na lógica dessa ideologia, tanto a madame do bairro nobre quanto a faxineira da favela sofrem do mesmo machismo — como se a única barreira fosse o preconceito de gênero. Só que a realidade é bem diferente. A mulher burguesa consegue terceirizar praticamente todas as suas dificuldades: deixa os filhos com babá, contrata uma doméstica para cozinhar e limpar, paga uma lavanderia. Já a mulher trabalhadora precisa se virar sozinha em jornadas duplas ou triplas, dividida entre o emprego e os afazeres domésticos. Quando muito, conta com a ajuda de familiares ou vizinhos, pois o Estado raramente provê suporte. Não por acaso, quando em 2015 conquistou-se uma lei garantindo direitos básicos às empregadas domésticas, muitas patroas “feministas” reclamaram do aumento de custos. Ficou claro que a tão falada sororidade – a união entre mulheres – acaba onde começam os interesses de classe de cada uma. As mulheres ricas apoiam o “empoderamento” apenas até mexer no seu bolso. Essa contradição explica por que um feminismo centrado apenas no gênero, sem considerar a exploração econômica, fracassa em representar as trabalhadoras.

Enquanto isso, nos grandes eventos e campanhas de certas organizações feministas, vemos discursos vazios sobre “lugar de fala” e celebração de simbolismos, mas quase nada sobre soluções concretas. Fala-se em “quebrar o teto de vidro” nas empresas, porém a maioria das mulheres sequer saiu do chão pegajoso da precarização. Fala-se em punições mais duras para agressores, porém não se discute por que tantas mulheres permanecem em relações abusivas – falta independência financeira e política pública de amparo. Em suma, a pauta dominante trata de questões superficiais, muitas vezes preocupada em agradar a classe média e investidores (ONGs, fundos corporativos), e deixa de fora as reivindicações das mulheres proletárias.

As necessidades das mulheres trabalhadoras são ignoradas

O resultado desse descolamento é a ausência de um programa voltado às mulheres da classe trabalhadora. As demandas históricas e urgentes das trabalhadoras mal aparecem nas campanhas feministas atuais ou nas políticas públicas. Quais demandas? Podemos elencar algumas fundamentais:

Creches públicas e gratuitas em todos os bairros, para que as mães trabalhadoras tenham onde deixar seus filhos em segurança enquanto cumprem sua jornada de trabalho. Hoje, a falta de vagas em creches é um verdadeiro calvário para as famílias pobres, obrigando muitas mulheres a abandonar o emprego ou deixar os pequenos sob cuidados precários.

Licença-maternidade ampliada e garantida a todas as mulheres, inclusive às trabalhadoras informais e autônomas. A maternidade não pode ser um fardo que leva à demissão ou à miséria. Além disso, é preciso lutar por licença-paternidade maior, dividindo a responsabilidade do cuidado inicial e diminuindo a discriminação na contratação de mulheres.

Restaurantes populares e lavanderias comunitárias nas cidades e bairros operários. Medidas assim socializam o trabalho doméstico, tirando das costas da mulher a obrigação exclusiva de cozinhar e lavar para a família após um dia exaustivo de trabalho. Com restaurantes públicos a preços simbólicos, garantiríamos alimentação digna para milhares de lares e ainda aliviaríamos a dupla jornada feminina. Da mesma forma, lavanderias coletivas gratuitas ou baratas poupariam horas de serviço pesado de lavar roupa, tempo que a mulher poderia dedicar a si, à qualificação ou ao lazer.

Emprego, salário digno e direitos trabalhistas para as mulheres. A luta por igualdade salarial para trabalho igual ainda é essencial – mulheres seguem ganhando menos que homens em muitas funções. Mas não basta equiparar por baixo: é preciso combater o trabalho que afeta especialmente as mulheres (como trabalhos temporários, domésticos sem carteira, jornadas parciais indignas). Também é crucial criar políticas de emprego voltadas às mulheres, garantindo autonomia financeira para que não fiquem presas em situações de abuso por dependência econômica.

Saúde, moradia e segurança: Mulheres pobres sofrem com o sucateamento dos serviços de saúde pública (inclusive na saúde reprodutiva e pré-natal), com a falta de moradia digna e com a violência urbana e doméstica. Um programa verdadeiro precisa incluir desde a construção de casas populares até atendimento de saúde gratuito e centros de apoio à mulher vítima de violência – mas sempre sem cair na armadilha de usar isso como pretexto para mero endurecimento policial. A solução deve ser acolhimento e prevenção, não prisão em massa de homens pobres.

Esses são apenas alguns pontos de uma pauta que realmente atenderia às mulheres trabalhadoras. Temas que não são o centro das políticas do feminismo burguês. Ao ignorar essas necessidades, o feminismo  mostra que não representa – nem pretende representar – a maioria explorada das mulheres, mas sim uma minoria de classe média que busca projeção própria. Afinal, de que adianta fazer campanha por mais “mulheres no poder” se falta feijão no prato da mulher desempregada? Do que vale um debate sobre linguagem neutra nas universidades se falta creche para a mãe estudante poder assistir às aulas? Sem emprego, sem direitos e sem serviços públicos, falar em empoderamento soa até cruel para quem mal sobrevive.

Por um movimento de mulheres da classe trabalhadora

 

Historicamente, o Dia Internacional da Mulher (8 de Março) nasceu como dia da mulher trabalhadora, impulsionado por socialistas no início do século XX. As revolucionárias como Clara Zetkin e Rosa Luxemburgo defendiam que a emancipação feminina andasse lado a lado com a emancipação de toda a classe operária. Isso porque entenderam desde cedo que não há libertação real para a mulher num sistema que explora brutalmente a maioria da população. A opressão da mulher tem raízes profundas na estrutura econômica e social – desde a dependência financeira até a sobrecarga doméstica – e só será superada enfrentando essas raízes.

Unir a luta das mulheres com a dos trabalhadores, retomar essa visão significa unir as lutas, não dividir. Não se trata de colocar mulheres contra homens, como pregam alguns setores identitários ao culpar genericamente o “patriarcado” de forma abstrata. O inimigo não é o homem pobre, tão explorado quanto elas; é quem lucra com a exploração de ambos. Homens e mulheres da classe trabalhadora são aliados objetivos. Por isso, um movimento de mulheres realmente representativo precisa ser popular, classista e revolucionário – inserido na luta por direitos trabalhistas, salários melhores, contra as privatizações e os cortes de gastos sociais. As mulheres não precisam de palavras vazias sobre empoderamento individual; precisam de organização coletiva nos sindicatos, nos bairros, nos movimentos, para conquistar creches, empregos e dignidade. Precisam estar na linha de frente das greves e protestos, exigindo do Estado e dos patrões o que lhes é de direito.

Também é importante notar que quando as mulheres trabalhadoras se organizam e lutam, toda a classe ganha. Por exemplo, ao batalhar por creches e licenças, não beneficiam só a si mesmas, mas todas as famílias trabalhadoras e até os homens, que podem compartilhar mais do cuidado dos filhos. Ao defender jornadas de trabalho humanas, abrem caminho para que todos tenham melhor qualidade de vida. Ou seja, a pauta das mulheres operárias fortalece a luta geral contra a exploração.

Em contraste, o feminismo focado apenas na ascensão individual de algumas mulheres dentro do sistema vigente acaba servindo aos interesses do grande capital. Isso pode soar duro, mas vejamos: se distraem a população com debates de representatividade superficial, as empresas continuam pagando baixos salários e os governos não precisam investir em creches ou moradias. Enquanto uma parcela da esquerda comemora o feito de termos mais executivas ou parlamentares mulheres, as massas continuam na miséria, sem ver melhoria concreta. Não é coincidência que grandes corporações patrocinem campanhas de “empoderamento” que nunca mencionam sindicatos ou distribuição de renda. Essa política de identidade vazia fragmenta os trabalhadores (mulheres contra homens, negros contra brancos etc.) e enfraquece a luta coletiva por mudanças concretas. No fim das contas, quem ganha é o patrão, que prefere ver seus funcionários divididos. Ao substituir a luta de classes pela política identitária, cai-se num jogo que beneficia os poderosos e não as mulheres oprimidas.

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Last Update: 05/05/2025