Por Armando Alvares Garcia Júnior

The Conversation Brasil

Esta segunda-feira, 24 de março, marcou o 49º aniversário do início da sanguinária ditadura que dominou a Argentina entre 1976 e 1983. Às tradicionais manifestações de familiares de mortos e desaparecidos políticos que sempre marcam a data na Praça de Maio, em Buenos Aires, este ano somaram-se os protestos cada vez mais intensos de diferentes setores da população contra as reformas econômicas, políticas e sociais impostas pelo atual presidente Javier Milei. Especialmente aquelas que afetam as aposentadorias e o endividamento externo do país.

Diante disso, é essencial analisar as implicações para o Brasil desse cenário de turbulência e incerteza no país vizinho. Considerando, principalmente, o impacto da crise no comércio bilateral, na estabilidade regional e nos desafios diplomáticos daí resultantes.

A Argentina é um dos principais parceiros comerciais do Brasil e um destino relevante para nossos produtos manufaturados brasileiros, especialmente do setor automotivo. A crise econômica por lá, agravada pela queda do poder de compra da população e pelo aprofundamento das medidas de austeridade, pode afetar significativamente as exportações brasileiras.

As dificuldades enfrentadas por empresas brasileiras que operam na Argentina também podem conduzir, a curto e médio prazos, ao enfraquecimento dos investimentos no país vizinho.

Falta de previsibilidade deve desestimular negócios

Outro fator preocupante é a instabilidade cambial argentina, capaz de gerar maior volatilidade nos fluxos comerciais. Com um governo adotando medidas de liberalização econômica e cortes no gasto público, a falta de previsibilidade no mercado pode desestimular negócios e impactar diretamente setores da economia brasileira que dependem, em boa medida, das exportações para esse mercado. São eles: automotivo, máquinas e equipamentos, produtos químicos e petroquímicos, eletrodomésticos e bens de consumo duráveis, têxteis e calçados.

A posição do governo Milei, marcada por um discurso polarizador e críticas a aliados históricos, cria desafios para o Brasil na condução da política externa regional. O presidente argentino tem demonstrado uma abordagem confrontadora em relação ao Mercosul, sugerindo que o bloco comercial não é uma prioridade para sua administração. De fato, pretende lutar durante seu mandato para eliminar a Tarifa Externa Comum e negociar um acordo comercial bilateral de livre comércio com Estados Unidos, como se as forças fossem equivalentes entre ambos países (Milei deve propor ao Mercosul um acordo comercial com os Estados Unidos; caso os sócios do bloco recusem, o governo argentino buscará fechar um acordo apenas entre os dois países). Isso coloca o Brasil em uma posição delicada, dado que a estabilidade e a funcionalidade do Mercosul dependem de um engajamento ativo e coordenado dos seus principais membros.

Desafio diplomático para o Brasil

Por outro lado, o Brasil seria um candidato natural para desempenhar um papel de mediador em eventuais crises institucionais na Argentina. Caso os protestos se intensifiquem e o governo Milei endureça ainda mais sua postura, poderá haver pressão internacional para que nosso governo tome uma posição em relação às ações repressivas e ao respeito às instituições democráticas argentinas.

Esta seria a tendência, pelo fato de o Brasil ser além de vizinho e membro fundador do Mercosul (cuja origem foi a Declaração do Iguaçú, assinada em 1985 por José Sarney e pelo então presidente argentino Raúl Alfonsín), um líder político e econômico indiscutível no Cone Sul.

Impacto migratório

Um dos reflexos mais imediatos da crise econômica argentina sobre o Brasil pode ser o aumento do fluxo migratório de cidadãos argentinos em busca de melhores condições de vida. Historicamente, períodos de instabilidade econômica severa na Argentina impulsionaram movimentos semelhantes para países vizinhos, especialmente para o Brasil.

Dados oficiais demonstram que, até o momento, a migração argentina para o Brasil permanece relativamente limitada em comparação com outras nacionalidades (os principais países de origem dos solicitantes de refúgio são Venezuela, Cuba e Haiti). Porém, caso o atual cenário se deteriore — com o agravamento da crise socioeconômica e o aprofundamento de medidas repressivas por parte do governo —, é plausível que o Brasil enfrente um crescimento expressivo na entrada de migrantes argentinos, gerando maior pressão sobre os sistemas de regularização migratória e sobre os serviços públicos, particularmente nas regiões de fronteira.

Em linha com o que está ocorrendo em outros países, a migração também pode gerar debates internos sobre políticas de acolhimento e integração social, além de impactos econômicos, como a competição por vagas no mercado de trabalho, como já acontece no Paraná. O governo brasileiro precisará monitorar de perto esses movimentos para evitar desajustes sociais e garantir uma abordagem humanitária para os migrantes.

Impacto na segurança das fronteiras

A instabilidade política na Argentina também pode ter desdobramentos na segurança regional. Um governo fragilizado e com apoio decrescente pode encontrar dificuldades em combater crimes transfronteiriços, como tráfico de drogas e contrabando, o que afetaria diretamente o Brasil. A cooperação entre os países é essencial para manter o controle nas fronteiras (província de Misiones, na Argentina, fronteira com Paraná, através de rotas terrestres e fluviais) e evitar que grupos criminosos se aproveitem do caos político para expandir suas atividades.

Os discursos de confrontação promovidos por Javier Milei têm gerado reações hostis de alguns setores políticos no Brasil — particularmente do Partido dos Trabalhadores —, especialmente em um momento em que o cenário político nacional se encontra profundamente dividido. Ao mesmo tempo em que suas declarações são duramente criticadas por setores progressistas, elas são celebradas por grupos ligados à direita e à extrema direita brasileira. Diante desse contexto, o governo brasileiro precisará adotar uma estratégia diplomática equilibrada, a fim de evitar que as tensões oriundas da Argentina reverberem no ambiente político doméstico.

A crise política, social e econômica na Argentina, portanto, já apresenta implicações diretas que exigem do governo brasileiro uma abordagem diplomática cuidadosa para minimizar seus impactos negativos. O enfraquecimento das relações comerciais, a instabilidade no Mercosul, o potencial aumento dos fluxos migratórios e os desafios à segurança regional exigem uma estratégia de monitoramento contínuo e a busca por soluções coordenadas com outros países sul-americanos.

Em um cenário de crescente incerteza, a capacidade do Brasil de agir de maneira pragmática será fundamental para preservar seus interesses econômicos e manter a estabilidade regional.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN.

Armando Alvares Garcia Júnior é especialista em Direito Internacional Público e Relações Internacionais da Universidade Internacional de La Rioja

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Last Update: 25/03/2025