Marília Lobo, filósofa e filóloga brasileira, autora de livros já clássicos no âmbito das ciências humanas, como O Efeito Sofístico, lançou, em 2013, um ensaio atípico, A Nostalgia, que acaba de sair no Brasil. Ela parte de uma pergunta – Quando, afinal, estamos em casa? –, que é também o subtítulo da obra, e apresenta suas reflexões sobre a nostalgia a partir de três personagens: o Ulisses de Homero, o Eneias de Virgílio e Hannah Arendt.

Antes de falar dos outros, contudo, Marília fala de si própria. A abertura do livro é um relato autobiográfico sobre a morte do seu marido na Córsega: “É nesse vilarejo e nessa casa, num terraço com vista para o telhado, para a marina e para o mar, que meu marido está enterrado”, escreve ela.

Essa perda ajuda a compor uma relação estranha com a ilha, “um sentimento forte”, continua a autora, “pelo fato de que eu não tenho ancestrais nessa ilha, não nasci ali e não vivi ali nem a minha infância nem a minha juventude”. Toda vez que volta a esse lugar, ela experimenta sensações contraditórias – o que a leva, por fim, à “nostalgia”, ou seja, à “dor do retorno”.

Depois dessa abertura na primeira pessoa, Marília retorna a um terreno amplamente familiar – o legado literário e filosófico dos gregos antigos. “Este livro interroga”, escreve, “a relação entre pátria, exílio e língua materna”, partindo da Odisseia, o “próprio poema da nostalgia”, uma vez que canta as provações de Ulisses depois da Guerra de Troia e “seu retorno constantemente adiado”.

A Nostalgia − Quando, Afinal, Estamos em Casa? Marília Lobo. Tradução: Cláudio Oliveira. Quina (144 págs., 58 reais) – Compre na YouTube

Em seu comentário, a autora enfatiza um ponto decisivo do poema de Homero: o fato de Ulisses, quando finalmente retorna, só poder passar uma única noite em sua casa. Desde o fim da guerra, Ulisses sabe que, depois da primeira noite em casa, precisará seguir viagem. Ele precisa “caminhar para o interior das terras” levando um remo do seu navio – e só pode parar quando encontrar alguém que não reconheça o instrumento. Não só isso: deve confundir o remo com uma “pá de grãos”. Só então Ulisses estará livre da ira de Poseidon, o deus do Mar.

Se Ulisses viaja em direção a uma casa que ele já conhece, Eneias viaja em direção a uma casa que ainda não existe e que deve ser fundada por ele. A Eneida, epopeia de Virgílio, foi escrita, aproximadamente, 700 anos depois da Odisseia. Mas as duas obras partilham o ponto de partida na Guerra de Troia.

Eneias, no entanto, está do outro lado: ele leva a pátria, simbolicamente, em seus ombros – é seu pai idoso, Anquises. Para poder fundar uma nova pátria – que, no futuro, será Roma –, Eneias não apenas precisa enfrentar incontáveis provações, mas esquecer sua língua de origem. Ele deve esquecer o grego e abraçar a língua dos “latinos”. Em Eneida, “a epopeia fundadora é também fundadora da língua”.

É a centralidade da língua na Eneida que permite o salto – vertiginoso em termos históricos – em direção a Hannah Arendt (1906–1975), que dedica um capítulo fundamental de seu livro Sobre a Revolução (1963), a Virgílio e à tradição latina. Destituída de uma pátria pelo nazismo, Hannah sempre insistiu que o alemão não era propriedade de ninguém, muito menos dos nazistas. “Resta a língua”, ela diz a um entrevistador que pergunta o que sobra da Europa anterior a Hitler.

“Arendt faz filosofia da pluralidade das línguas”, escreve Marília, e por isso sua obra é profundamente pertinente para a nossa época. Ela oferece uma reflexão sobre estratégias possíveis de convivência, visando o cultivo não de “raízes”, como lemos em A Nostalgia, mas de “um mundo que não se fecha”. •


VITRINE

Por Ana Paula Sousa

É perturbador e fascinante o relato que Emmanuel Carrère faz do julgamento dos atos terroristas de Paris, em 2015. Vítimas, terroristas, magistrados e advogados emergem, de V13 (Alfaguara, 224 págs., 89,90 reais) como personagens que só a literatura seria capaz de captar.

A graça e a perspicácia de Rosa Montero retornam, implacáveis e impecáveis, em A Louca da Casa (Todavia, 216 págs., 69,90 reais), um livro no qual narrar e viver se entrelaçam quase como se, para a autora espanhola, ambos os verbos significassem uma coisa só.

Design como Atitude (Ubu, 272 págs., 69,90 reais) é o livro mais vendido da jornalista e crítica britânica Alice Rawsthorn. Nesta nova edição, a autora atualiza seu olhar sobre os objetos, a estética e os modos de uso a partir da pandemia e do agravamento da crise climática.

Publicado na edição n° 1341 de CartaCapital, em 18 de dezembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os sentidos da nostalgia’

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Last Update: 12/12/2024