Aborde uma mulher na rua, em qualquer cidade brasileira, e pergunte se ela se considera feminista. São grandes as chances de que ela hesite e pese as palavras antes de responder. Poucas terão um “sim” ou um “não” na ponta da língua. Mas continue conversando com qualquer uma delas. Pergunte se acha justo que homens ganhem mais do que mulheres, que tantas mães criem seus filhos sem qualquer suporte paterno, que sair sozinha à noite ainda signifique sentir medo. Arrisco dizer que, sem titubear, quase todas vão responder que não.

Na prática, autodeclaradas feministas ou não, a imensa maioria das mulheres defendem exatamente o que o feminismo sempre buscou: direitos iguais, segurança, respeito e autonomia. Só não chamam isso de feminismo, talvez porque nunca tenham se reconhecido no termo.

Não é um fenômeno novo, mas tem se tornado mais evidente. O Brasil de 2025 não é o mesmo de dez anos atrás. O debate público foi inundado por palavras que, em vez de aproximar, passaram a distanciar. “Feminismo” virou uma delas. Para algumas mulheres, representa conquista, transformação, liberdade; para outras, soa como algo longínquo, carregado de estereótipos e relacionado a uma militância com a qual não se identificam.

Mas será que essa distância é real? Ou estamos lidando com um dilema artificial, alimentado mais por disputas políticas do que por diferenças genuínas?

Precisamos buscar maneiras de identificar tanto consensos quanto divisões que ajudem a compreender o problema

Uma pesquisa do Instituto Update, realizada em parceria com a Ideia Big Data que deu origem ao livro Feminino em Disputa, publicado em 2022, já havia apontado essa contradição aparente. Apenas 30% das mulheres se declaravam feministas, enquanto 34% rejeitavam o termo. A maioria, no entanto, não se colocava em nenhum dos extremos. E, quando o rótulo saía da equação, os números falavam mais alto: 92% eram a favor do combate à violência de gênero, 83% defendiam a equiparação salarial e 77% queriam mais mulheres na política.

O que esses dados mostram é algo simples, mas que esquecemos às vezes: o que importa não é o nome que damos a um movimento, mas o que queremos mudar. E há mais consenso nisso do que nos fazem acreditar. O problema é que, nos últimos anos, o feminismo passou a ser distorcido por diferentes grupos, se transformando num rótulo carregado de estereótipos.

De um lado, setores conservadores o usaram para criar uma caricatura: a ideia de que ser feminista significa odiar homens ou rejeitar qualquer estrutura tradicional. De outro, parte do próprio movimento se fechou em discursos que exigem muitas vezes uma adesão total a pautas e linguagens específicas, tornando difícil a identificação de quem não tem contato com esse universo. Entre esses dois extremos, milhões de mulheres seguem vivendo suas vidas, enfrentando desafios reais e compartilhando demandas urgentes – ainda que sem nomeá-las como “feministas”.

Enquanto isso, os desafios continuam enormes. Mulheres brasileiras ainda ganham em média cerca de 21% a menos que homens que ocupam mesma função, segundo o 2° Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios. O acesso a cargos de liderança, seja na política ou no mercado de trabalho, ainda é uma barreira difícil de ser rompida. A violência de gênero segue como uma epidemia silenciosa: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um feminicídio acontece a cada seis horas no país.

Diante de tudo isso, a pergunta deveria ser: o que estamos dispostos a fazer para mudar a realidade que vem sendo imposta às brasileiras? É relevante que todas – independentemente de como nomeiem sua visão de mundo – querem viver numa sociedade que as ofereça segurança, respeito e oportunidades reais.

Precisamos buscar maneiras de identificar tanto consensos quanto divisões que ajudem a compreender as nuances que influenciam as percepções das mulheres brasileiras. Essa visão ampla e detalhada pode oferecer uma oportunidade única para articular diálogos produtivos e construir soluções que de fato representem a diversidade de experiências femininas no Brasil.

A verdade é que os desafios enfrentados pelas mulheres não escolhem lado político. O medo de sair à noite sozinha, a sobrecarga de trabalho doméstico, a diferença salarial – nada disso pergunta em quem alguém votou ou se se considera feminista. São problemas concretos, e é sobre eles que deveríamos estar falando.

Em 2025, não deveríamos precisar convencer alguém de que a igualdade não é um tema em disputa, mas um princípio básico de qualquer sociedade justa. São as escolhas políticas, as prioridades coletivas e a coragem de transformar divergências em diálogos e consensos em ações que mudam a realidade.

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Last Update: 12/03/2025