O artigo As novas fábricas de fanáticos, escrito pelo jornalista Moisés Mendes, do Brasil 247, destaca a dificuldade da esquerda brasileira em compreender a questão do imperialismo. Mendes parte de um fato: em toda a América Latina, surgem figuras de extrema direita com grande força eleitoral e com uma relativa capacidade de mobilização.
Mendes cita Daniel Noboa, do Equador, cita Edmundo Gonzáles, da Venezuela, cita Javier Milei, da Argentina e cita, finalmente, Pablo Marçal, o candidato mais comentado das eleições municipais deste ano. Ao passar por esses candidatos, Mendes procura analisar as suas particularidades:
“Na Argentina, o extremista mais famoso até o início dos anos 20 era o deputado Alfredo Olmedo, que defendia a construção de um muro na fronteira com a Bolívia. Depois de Milei, ninguém mais se lembra de Olmedo. (…) No Equador, Daniel Noboa era um ricaço e ex-deputado obscuro até eleger-se presidente no ano passado. Na Venezuela dos cansados Henrique Capriles e Juan Guaidó, Edmundo González foi buscado em casa para substituir Maria Corina, que até bem pouco tempo era apenas uma Damares, e enfrentar maduro. (…) No Uruguai, outro milionário, Juan Sartori, tentou ser o Bolsonaro deles, na eleição vencida por Lacalle Pou em 2019″.
A tese, após citar caso, é a de que “o fanatismo” teria uma fábrica interminável de figuras de extrema direita, capaz de renovar o seu estoque de tempos em tempos. Mendes não apresenta nenhum motivo específico para que tal fábrica exista, mas se limita a falar em coisas como “a guerra híbrida, o trumpismo, as redes, as desilusões com a democracia, o negacionismo, o supremacismo, os movimentos antissistema, o falso moralismo, as igrejas, o militarismo”.
A tese da “fábrica de fanáticos” tem dois objetivos. O primeiro é dizer que é algo que aparece e rapidamente desaparece. É o que fica claro em sua ponderação sobre a Argentina: veio um fanático, ele foi embora e hoje ninguém se lembra dele.
Esse tipo de ideia apenas serve para que Mendes faça uma crítica moral à extrema direita. Isto é, que a extrema direita é feita por pessoas tão execráveis que seu papel na história se limita a poucos anos de fama. O problema, no entanto, é que isso não é suficiente para convencer ninguém sobre a necessidade de uma luta contra o fanatismo. Para combater a extrema direita, não basta fazer uma campanha eleitoral, dizendo que fulano é “melhor” que ciclano. É preciso enfrentar por meio da força um movimento que é capaz de se impor, caso não conheça nenhuma reação à altura.
O fanatismo nunca teve a maioria da opinião da população a seu favor. Mas ele se impõe justamente pela força. Se impõe quando a esquerda capitula, se impõe quando a esquerda, em vez de combater a extrema direita, se mostra aliada do regime político. Por isso, muito mais que criticar moralmente a extrema direita, é preciso ter uma política para enfrentá-la. É preciso mobilizar os trabalhadores explicando que o programa da extrema direita é o oposto das suas reais necessidades.
O segundo problema da tese é que ela não estabelece quem seria o dono da “fábrica”. Quem fabrica os “fanáticos”? O próprio fanatismo? Seria algo sem o menor sentido.
Quem administra essa “fábrica” é o imperialismo. São os grandes bancos, os grandes monopólios, as grandes corporações. É, em resumo, o Departamento de Estado norte-americano e seus sócios, como a União Europeia. Quem colocou Javier Milei na presidência, se não os Estados Unidos? Quem pariu o bolsonarismo no Brasil, se não os Estados Unidos? Quem criou as condições para que Daniel Noboa chegasse ao poder, derrubando o correísmo, se não os Estados Unidos?
Sem o imperialismo, o fanatismo nunca teve forças para chegar ao poder. E não é diferente na América Latina: a extrema direita cresce na medida em que o imperialismo vai lhe dando mais liberdade para combater a esquerda.