Como se não bastasse todo o ataque que meninas e mulheres sofreram, ao longo de 2024, no direito ao aborto legal, às vésperas do Natal teve mais um forte golpe. Dessa vez ocorreu o chamado “fogo amigo” do governo, que se intitula progressista, mas não perde uma chance de se colocar contra o avanço da legalização do aborto no país.
No último dia 23, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) discutiu e aprovou uma resolução que estabelece diretrizes para o atendimento humanizado e especializado de crianças e adolescentes com direito ao aborto legal. Os representantes do governo, que antes colaboravam com a construção do texto, após sofrerem pressão dos setores conservadores, recuaram e pediram vistas da resolução, sob a justificativa de que alguns pontos só poderiam entrar em vigor com aprovação do Congresso Nacional. O que não faz sentido, porque a resolução não tem peso de lei, tem sim um caráter de diretrizes para orientar o cuidado com as vítimas. Diante da negativa do adiamento da votação, os representantes do governo, então, votaram contra a medida.
Quem é que de fato fortalece a ultradireita?
Apesar de a resolução ter sido aprovada no conselho por 15 votos a 13, a senadora Damares Alves se apoiou no pedido de vistas do governo para entrar na justiça contra a votação. O juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio entendeu como ilegal o processo e suspendeu provisoriamente a votação.
Outros representantes da ultradireita tinham feito ameaças, como o deputado Nikolas Ferreira, que ameaçou entrar com mandado de segurança, caso a resolução fosse aprovada, e a deputada Juliana Zanatta, que apresentou um projeto de lei para limitar a deliberação do CONANDA sobre temas relacionados a aborto.
A posição do governo é ainda mais reacionária. Um primeiro parecer elaborado pela consultoria jurídica do Ministério dos Direitos Humanos sugeriu veto a mais de dez pontos da resolução. Dentre eles, um parágrafo que defendia o acesso a informações baseadas em evidências científicas sobre infecções sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos, e também um artigo que pontuava que a legislação brasileira não prevê limite gestacional para a interrupção da gestação.
Diante dessas posições, fica muito evidente que esse governo não é a única alternativa para enfrentar a ultradireita e o crescente conservadorismo no país. Sob a justificativa de buscar consenso e diálogo com esse setor, o PT e seus apoiadores nos deixam ainda mais vulneráveis e enfraquecidas frente aos ataques cada vez mais ferozes.
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Governo do PT tem tradição em rifar nossos direitos
É preciso dizer, inclusive, que o PT construiu sua governabilidade usando os direitos dos setores oprimidos como moeda de troca com os setores conservadores. A exemplo da carta ao povo de Deus divulgada em 2010; do veto ao kit anti-homofobia em 2011; da retirada do termo “gênero” do Plano Nacional da Educação em 2014, que consistia numa capitulação a tal denúncia de existência da “ideologia de gênero” promovida pelos setores conservadores; da posição do Ministério da Mulher no início do ano, afirmando que o governo não trataria do tema da legalização do aborto, deixando a pauta nas mãos do Congresso mais conservador e reacionário da história do país.
Ou mesmo, diante do levante dos movimentos feministas, no primeiro semestre, contra o PL 1904/24, em que a bancada do PT se prestou ao papel de negociar com Arthur Lira a retirada da votação do projeto, sob a garantia de fazer um texto mais palatável.
Ou seja, não é de hoje que o PT atua como administrador da democracia burguesa, servindo de barreira para avanços em nossos direitos mais elementares. Há quem diga que está correto o PT primar pela governabilidade, até mesmo setores que se dizem revolucionários defendem essa tese. Nós sempre soubemos que o PT e Lula não são socialistas, que governam para manter os interesses da burguesia. Contudo, se a base de sua campanha e discurso é o enfrentamento à ultradireita, tampouco isso fazem de fato, já que a postura do governo tem servido para fortalecer esse setor ao longo dos anos.
A luta contra o machismo tem que caminhar junto com a luta pela destruição do capitalismo
A pauta do aborto legal não é uma reivindicação socialista, prova disso é que vários países capitalistas o garantem. Portanto, pode facilmente ser bandeira de um governo dito progressista como o do PT. Mais ainda a pauta do aborto legal, já previsto em lei, cujas principais vítimas com tamanha perseguição e retrocesso são meninas de ate 13 anos que sofrem abuso sexual.
E por que o governo se nega a assumir essa pauta? Primeiro porque não quer enfrentar o nível de consciência da população brasileira, que sofre influência da histórica dominação católica no país, e, mais recentemente, da igreja evangélica. Segundo porque o PT se propõe a governar para a burguesia e, para essa classe se manter no poder, é preciso que toda forma de opressão seja retroalimentada constantemente, garantindo a superexploração de uma ampla parcela dos trabalhadores.
Terceiro porque o sistema capitalista é incapaz de garantir de igualdade, de fato, para as mulheres ou qualquer outro setor oprimido. As lutas por pautas democráticas já fizeram eclodir muitos processos de insurreição que saíram do controle e levaram a outras demandas sociais. Para a burguesia, interessa ter governos que promovam ilusões na população, mas que na realidade sirvam de freios para a luta dos trabalhadores, esse é o papel que cumpre o governo Lula.
Por isso, é fundamental, para as mulheres trabalhadoras, manter sua auto-organização com independência de classe e de qualquer governo, tendo nitidez que os direitos democráticos mais básicos já não estão assegurados nesse sistema e que, para arrancarmos a fundo a nossa libertação, será preciso travar uma luta contra a ultradireita, contra os governos e contra a burguesia.