Começou, enfim, a tão aguardada Olimpíada, evento capaz de nos oferecer um alento nestes dias turbulentos, nos quais o mundo parece pesar sobre as nossas costas, com guerras e desencontros de toda sorte.
Os Jogos Olímpicos representam o desejo humano da fraternidade universal. Embora esse ideal nunca seja alcançado, a esperança em torno dele é renovada a cada quatro anos.
O número de modalidades desportivas cresce cada vez mais, em consonância com a necessidade de se fazer respeitar a diversidade humana. A variedade de opções, não tenho dúvida, é mais enriquecedora do que a monocultura.
A multiplicidade de práticas é absolutamente coerente com o tamanho das nossas necessidades.
As competições na França se iniciaram antes da abertura solene, que tomou as ruas, praças e espaços mundialmente conhecidos de Paris, na sexta-feira 26.
A largada ficou por conta do futebol olímpico masculino. E o que se viu na tumultuada partida entre Argentina e Marrocos no Estádio Geoffroy Guichard, em Saint-Étienne, foi algo grandioso – em todos os sentidos.
Assisti ao jogo com grande expectativa. Já disse aqui, algumas vezes, que, na última Copa do Mundo, a seleção do Marrocos foi a que, dentre todas as demais, apresentou o melhor futebol.
E, bem, o jogo seria contra a seleção olímpica do país campeão do mundo e, semanas atrás, sagrado bicampeão da Copa América, a Argentina.
Fiquei muito instigado e empolgado em saber mais sobre a maneira como se desenvolve o futebol no Marrocos.
Como eles conseguem chegar a uma Olimpíada e à Copa do Mundo e manter a integridade, a essência da sua cultura? A mim, parece admirável.
Os jogadores nunca se perturbam, limitam-se a jogar bola. Me parece, antes de tudo, que não são preparados à base da força.
Surge nesse ponto a primeira questão: será isso que procuram os treinadores de ponta, quando buscam trocar passes em todos os espaços do campo?
Os marroquinos fazem isso com a maior naturalidade. Mais ainda: fazem jogadas de efeito com a toda simplicidade.
O primeiro gol marroquino, de tão fascinante, pode ser revisto pelos fãs de futebol incontáveis vezes.
A equipe, apesar de tudo isso, não venceu a Copa do Catar e, muito provavelmente, não vencerá a Olimpíada, atropelada pela força dos rivais.
Mas, se for para ver futebol jogado com arte, prefiro me mudar para o Marrocos.
À parte a confusão dos torcedores marroquinos, que acabaram prejudicando o primeiro evento da Olimpíada, o jogo foi emocionante, com inúmeras observações a ser consideradas.
Além da opção de jogo a ser praticado, o próprio andamento foi espetacular.
Tivemos aquela situação clássica, em que um time coloca dois gols à frente e tem de fazer a escolha entre garantir a vantagem obtida e aceitar a pressão do adversário – algo que muda o aspecto emocional – ou seguir buscando ampliar a diferença.
Dois a zero é o placar mais difícil de se dominar. São necessários um equilíbrio e uma segurança que só são conseguidos com muita maturidade.
Na partida entre Argentina e Marrocos, o fator do equilíbrio foi levado às alturas, tendo como ápice o gol de empate dos hermanos, que acabou levando à balbúrdia enorme e inédita que sombreou o começo da Olimpíada antes mesmo da abertura.
Cabe lembrar que, do lado de cá do oceano, também tivemos confusão na final da Copa América, no jogo entre argentinos e colombianos.
Na mesma quarta-feira 24, dia da partida entre Argentina e Marrocos, a França garantiu uma vitória folgada sobre os Estados Unidos, por 3 a 0, no Estádio Vélodrome, em Marselha.
Publicado na edição n° 1321 de CartaCapital, em 31 de julho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Espírito olímpico’