A esquerda pequeno-burguesa é incapaz de lidar com golpes de Estado. O problema é que esse setor da esquerda é institucional e o golpe é uma quebra abrupta das instituições. Assim, eles não conseguem nem formular uma tese concreta sobre o golpe. Não luta contra ele, não entende que ele aconteceu, quando ele é derrotado não sabe qual foi o motivo. E quando ele acontece, fogem do país e quem sofre são os trabalhadores que eles supostamente representavam. Com o golpe de Estado na Bolívia ontem não foi diferente.
Alex Solnik, colunista do Brasil 247, escreveu uma curta coluna de título Ditadores, go home! sobre esse tema do golpe boliviano. Ela começa: “nos anos 60, os Estados Unidos estimulavam golpes de estado na América Latina convencidos de que só ditaduras militares poderiam brecar o avanço do comunismo que tinha triunfado em Cuba. E que é a maior ameaça ao capitalismo”.
De fato, os EUA organizaram golpes de Estado em toda a América Latina. E não só aqui, houve golpes na África, na Ásia e até na Europa. Era a política oficial do imperialismo impor ditaduras militares para controlar a classe operária e os movimentos nacionalistas no mundo inteiro. Naquela época, ficou comprovado que esse nacionalismo em grande medida era incapaz de lutar contra esses golpes. Na esmagadora maioria dos países ele capitulou. No Brasil, Jango não lutou; no Chile, Allende não lutou; na Argentina, Peron não lutou. Só em Cuba Fidel lutou e, assim, a revolução nacionalista se transformou em revolução socialista.
Os trabalhadores, por sua vez, reagiram e derrotaram o golpe diversas vezes. No Brasil, o golpe foi derrotado em 1954 pela mobilização após a morte de Vargas e em 1961 quando Jango estava voltando da China. No Chile, a primeira tentativa de golpe de Pinochet foi derrotada pela mobilização dos trabalhadores que cercaram o palácio do governo. Mas sem uma direção de esquerda, os trabalhadores não conseguiram bater de frente com o imperialismo. Essa lição, infelizmente, não foi aprendida pela esquerda, algo que seria muito importante décadas depois.
O texto continua: “com o fim do proselitismo cubano e, sobretudo, com o desmantelamento da União Soviética, a política dos States, sob republicanos ou democratas, passou a estimular democracias e repudiar golpes de estado. Os Estados Unidos não têm mais interesse em golpes de estado. E sem o apoio dos Estados Unidos, golpes de estado na América Latina estão fadados ao fracasso. Seja no Brasil, seja na Bolívia. O lema da Casa Branca agora é ‘ditadores, go home!’”.
Aqui, Solnik se perde completamente. Os EUA passaram a defender a transição de ditaduras para democracias pró-imperialistas na década de 1970. O que não significa que eles defendem democracias reais, isto é, que o povo, os trabalhadores estejam no governo. Mas isso já passou. Desde 2009, os norte-americanos organizaram mais de uma dezena de golpes só na América Latina. Honduras em 2009, Paraguai em 2012, Brasil em 2016, Bolívia em 2019, Peru em 2022 foram os mais escancarados. Mas houve muitos outros.
No Equador, Lenin Moreno se tornou um neoliberal após ter saído da coligação de Rafael Correa, foi um golpe de Estado. Depois, as eleições foram realizadas sob intervenção das forças armadas, outro golpe de Estado. Em Honduras, houve duas eleições sob o regime golpista em que era totalmente impossível a esquerda concorrer. No Brasil, houve a prisão de Lula em 2018, outro golpe. Na Argentina, tanto a eleição de Macri quanto a de Milei aconteceram sob um processo golpista. Isso sem contar que Cristina Kirchner foi impedida de concorrer, assim como Lula. Em El Salvador, as eleições foram totalmente farsescas, como denunciou a FMLN.
Houve também as tentativas de golpe. Venezuela, em 2014 e 2019, além de tentativa de invasão com mercenários em 2020 e outras tentativas de assassinar Maduro. Na Nicarágua, uma enorme tentativa de golpe aconteceu em 2018. Em Cuba também houve uma tentativa em 2021. Em Honduras, após o retorno da esquerda ao governo, a onda golpista voltou. E na Bolívia também a tentativa de golpe de quarta-feira (26) não foi a primeira. Em todos os casos citados acima, foram os EUA os articuladores do golpismo. É totalmente absurdo afirmar que os norte-americanos não querem golpes.
Isso é ainda pior quando o texto é escrito por um brasileiro que viveu o processo da Lava Jato, a derrubada de Dilma, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro. Todos sabem que o golpe de Estado no Brasil foi organizado pelos EUA e que a Lava Jato era sediada em Washington. Solnik apenas tem uma vontade muito grande de acreditar que o mundo agora se tornou democrático. Esse é o grande problema da esquerda pequeno-burguesa, como citado no início do texto, o golpe nunca é um problema.
Os EUA estão em total ofensiva contra a América Latina, os casos do Peru e de Milei são os mais relevantes. No Peru, um golpe militar foi apoiado pelos EUA em 2022. Na Argentina o imperialismo apoiou totalmente Javier Milei e ainda o apoia. Ou seja, a posição dos EUA para o continente é a ditadura. Quando ela não acontece é porque os trabalhadores conseguiram ser vitoriosos. É o caso do Brasil, que conseguiu eleger Lula, mas claramente a luta continua. E da Bolívia que elegeu Arce, e claramente a luta continua.
Apenas os países que tiveram processos mais revolucionários e expurgaram os setores mais pró-imperialistas do Estado, principalmente das forças armadas. Venezuela, Nicarágua e Cuba. Mesmo assim ainda há risco de golpe. O grande erro da esquerda pequeno burguesa é quanto mais o golpe se aproxima mais falar que está tudo bem.