Ao se dar conta de que o presidente norte-americano Joe Biden havia desistido de sua candidatura à reeleição, o analista político Valter Pomar, dirigente da Articulação de Esquerda, corrente interna do Partido dos Trabalhadores (PT), foi ao seu blogue especular sobre as chances de Kamala Harris, atual vice-presidente, vencer as eleições. O artigo, intitulado Kamala Harris, já começa com o tom crítico típico do autor, que diz: “muitas pessoas estão publicando mensagens entusiasmadas acerca de Kamala Harris. Teve até um ministro de um certo país sul-americano que festejou a renúncia de Biden, ao som do hino gringo”. Ou seja, ele, Valter Pomar, ao contrário de “muitas pessoas”, saberia o que de fato acontece na política norte-americana. Será mesmo?
O autor segue, então, explicando que “o entusiasmo de muita gente é algo mais visceral: o medo”. Isto é, que o medo de uma eventual vitória do republicano Donald Trump teria despertado uma reação irracional nas pessoas, a tal ponto de acharem que, com um mero truque eleitoral, substituindo Biden por Harris, a derrota de Trump seria iminente. Até aí, Pomar tem razão. A histeria em torno de uma eventual vitória de Donald Trump tem agido como uma espécie de entorpecente político, levando às mais absurdas reações. Mas o que Pomar faz questão de ignorar é o motivo dessa histeria.
“Há muito medo acerca das decorrências de uma vitória de Trump”, diz Pomar. Mas de onde vem o medo? Ora, da campanha da burguesia, do grande capital. O próprio presidente Joe Biden, há não muito tempo, estava chamando Trump de uma “ameaça à democracia”. A mesma acusação era feita por toda a grande imprensa.
“Donald Trump é uma ameaça genuína para esta nação. Ele é uma ameaça à nossa liberdade. Ele é uma ameaça à nossa democracia. Ele é literalmente uma ameaça a tudo o que os Estados Unidos representam”, declarou Biden em seu perfil no X (antigo Twitter).
Por mais negativa que seja a figura de Donald Trump, Pomar é incapaz de reconhecer que há uma operação em curso para impedir que o republicano seja eleito. E que parte fundamental dessa operação consiste justamente em apresentar Trump como uma “grande ameaça”, em persegui-lo judicialmente e, até mesmo, em tentar freá-lo por meio de atentados. A polarização entre Trump e Biden, neste sentido, não expressa uma polarização entre o conjunto da população norte-americana e a extrema direita, como Pomar dá a entender. Mas sim a polarização entre o chamado “Estado profundo” – a CIA, o FBI, o Serviço Secreto etc., controlado pelos grandes monopólios industriais e financeiros dos Estados Unidos – e a candidatura confusa de Donald Trump, que reúne de supremacistas a setores da classe operária, mas que expressam uma insatisfação com a política oficial do Estado norte-americano.
Neste sentido, quando Pomar fala que “ao menos até ontem, Trump parecia impossível de derrotar”, mas que, “agora, depois da renúncia de Biden, parece haver uma chance de Trump ser derrotado”, isso nada tem a ver com a popularidade de sua vice, a igualmente genocida Kamala Harris. Se houver uma maior chance de vitória, isso acontecerá porque as condições do imperialismo de dar um golpe de Estado serão mais fáceis com a candidatura de Kamala Harris do que com a candidatura de Joe Biden.
Isso é o mais importante a ser dito aos “entusiasmados”. O problema não é se Kamala Harris é uma candidata competitiva ou não. O problema é que ela, caso seja confirmada como candidata, será a candidata dos maiores inimigos de toda a humanidade. O problema é que ela é sionista, que ela é uma promotora responsável pelo aumento brutal da repressão nos Estados Unidos.
Pomar apresenta o problema da seguinte maneira: “calma, não vamos comemorar ainda porque não é certo que Trump será derrotado”. A situação, no entanto, exigiria que fosse dito: “o maior problema no momento é que, com a substituição de Joe Biden por Kamala Harris, o imperialismo recuperará o fôlego para impor um presidente tão genocida e sanguinário como Joe Biden”.
O sábio Valter Pomar, que quer dar uma lição de moral nos “entusiasmados”, é, ele mesmo, um grande entusiasta do regime norte-americano. Sua divergência com os “entusiasmados” é tão-somente que ele ainda não recebeu, da imprensa imperialista, garantias suficientes de que Harris será eleita. No mais, está torcendo para que os mesmos setores responsáveis pelo genocídio na Palestina, pelo golpe de Estado de 2016 no Brasil e pela sabotagem ao governo Lula sejam vitoriosos nos Estados Unidos.