A empresa Intel, ou Integrated Electronics, é uma das mais influentes do século XX e XXI. Quem não lembra de ver – ou invejar – um computador com o adesivo dizendo “Intel Inside” crescendo nos anos 1990. Ou quem não lembra dos processadores Pentium famosos por seu desempenho extraordinário limitado apenas pelo insuportavelmente lento Windows e seu parceiro Internet Explorer?
Essa empresa teve seu pior dia na bolsa de valores em 50 anos no início de agosto. Seu valor de mercado despencou para patamares de 2013 e lá ficou mesmo após o mercado de ações se recuperar de suas cada vez mais frequentes paradas cardíacas. Como isso é possível se esse é um dos maiores monopólios da história do capitalismo? Segundo dados de 2023, a Intel seria responsável por 68% do mercado de microprocessadores para computadores pessoais e sua dominação é ainda maior no mercado de datacenters.
Acontece que essa dominação vem sendo erodida por concorrentes norte-americanos como a AMD, ARM e, mais recentemente, por Apple e Qualcomm que deixaram de desenvolver processadores exclusivamente para sistemas embarcados (celulares, por exemplo) e chegaram ao mercado de laptops.
Agora, como a Intel poderia perder sua posição dominante dessa forma? Há pouco mais de cinco anos, a empresa era responsável por 98% do mercado de microprocessadores para computadores pessoais. Poderíamos dar a resposta simples e simplesmente alegar que monopólios deixam de inovar e acomodam-se colhendo renda do mercado monopolizado, mas isso é apenas parte do problema.
Os concorrentes mencionados são empresas norte-americanas fabless, quer dizer, não fabricam mais seus processadores. Apenas fazem o projeto e o enviam para ser fabricado em Taiwan, pela TSMC ou outra grande fabricante de semicondutores. O processo é extremamente sofisticado, uma das maravilhas da engenharia moderna, e ainda que a TSMC não desenvolva seus próprios chips, é a principal fabricante especialmente no que diz respeito a chips de alto desempenho.
A Intel, nesse aspecto, seria um “dinossauro”, uma empresa que ainda projeta e fabrica seus processadores, ainda que terceirize uma parte da produção para empresas como a TSMC, especializadas apenas na fabricação. Acontece que no capitalismo decadente, nesse estágio avançado do imperialismo, não se ganha mais dinheiro fabricando nada. É isso que querem dizer com “economias pós-industriais”. Hoje somente se faz dinheiro com manipulações financeiras, especulação e bens imateriais dos quais se pode extrair renda, como propriedade intelectual. O projeto de processadores é uma propriedade intelectual e muitas empresas não os copiam porque estariam infringindo essas patentes, não porque não conseguem projetar. Dessa forma, a parte produtiva da Intel é uma desvantagem competitiva em relação às outras empresas.
Soma-se a isso a incompetência particular de monopólios dessa magnitude. As duas últimas edições dos processadores da empresa, as séries 13k e 14k, parecem ter um problema que implicaria o recall de milhões de unidades vendidas ao longo dos dois últimos anos em escândalo que gerou certo rebuliço entre entusiastas de tecnologia na Internet. Ao mesmo tempo, reunião interna da empresa foi vazada e nela o CEO Pat Gelsiner anunciou a demissão de 15 mil funcionários, o que certamente não é um bom sinal acompanhado da divulgação de uma queda significativa nos lucros da empresa e de um potencial prejuízo gigantesco.
Ainda assim, esses são fatores secundários. O fundamental é que empresas produtivas, que fabricam bens materiais e os levam ao mercado, não são a regra do sistema há algum tempo. As que produzem são empresas escravizadas por outras maiores “fabless”, máquinas de extração de valor do setor produtivo. Vivemos sob um sistema econômico que não apenas explora uma classe numerosa em favor da acumulação de riqueza nas mãos de outra, muito minoritária, como num sistema que desincentiva a atividade produtiva.
O grau de financeirização é tão alto que, como marxista, é difícil entender como tudo para em pé. O mercado financeiro é como o cadáver esquisito, aquele jogo surrealista em que se constrói uma história só com o último fragmento, escrito por cada um dos participantes do jogo. Ninguém tem a visão global da narrativa que se desenvolve até o final, quando se lê todos os fragmentos em sequência. Nesse ponto, a bolha explodirá.