O embate entre a população venezuelana e a intervenção estrangeira

Diante de um ataque evidente do imperialismo contra o governo nacionalista da Venezuela, quase a totalidade da esquerda latino-americana capitulou. No Brasil esse quadro é especialmente ruim. Até os tradicionais defensores do chavismo aderem a uma política centrista que, na prática, é um apoio ao imperialismo. É o caso de Marcelo Zero, que publicou no Brasil 247 o texto O conflito da Venezuela não pode ser internacionalizado. A sua posição de “nem Maduro e nem oposição” é a tradicional capitulação da esquerda diante da direita. É preciso escolher um dos dois lados.

Ele já começa o artigo tentando justificar esse erro:

“De um lado, estão os que sempre classificaram os governos chavistas como ‘ditaduras’, apoiaram o golpe contra Chávez, em 2002, apoiaram a violência das ‘guarimbas’ e, agora, apoiam sorridentes as sanções ilegais, as mortes que elas causam, e as ingerências externas contra o regime de Caracas. São os defensores de hábito de uma singular ‘democracia’, que devasta povos e países. Nossa mídia está repleta de defensores dessa curiosa e violenta ‘democracia’.

De outro, estão os que acham que o governo de Maduro, sob extrema pressão interna e externa, é inatacável e tem de ser defendido a quaisquer custos e sob quaisquer argumentos. Um regime de querubins anti-imperialistas, como se sabe, incapaz de equívocos e que não pode ser objeto de críticas. Quem assim procede seria ‘traidor’.”

E ele conclui essa tese afirmando que “Goethe dizia que a árvore da vida é dourada e que toda teoria é cinzenta. Nesse caso específico, no entanto, as ‘teorias’ sequer são cinzentas: ou são pretas ou são brancas”.

Apesar de ser um grande escritor, Goethe não é o melhor exemplo para analisar a luta política. Outro alemão explicou isso de forma impecável, Karl Marx. A história da humanidade é a história da luta de classes. Nesse caso da Venezuela, quais são as classes que lutam? De um lado, o imperialismo, principalmente os EUA, que se agrupam na oposição golpista. De outro, a classe operária da Venezuela que está com Maduro. Nesse embate de um colosso, que é o imperialismo, contra os trabalhadores de um pequeno e pobre país na América Latina, quem não escolhe o lado dos trabalhadores está ao lado do colosso. A árvore-da-vida de Goethe não se aplica à Venezuela.

Sendo assim, o governo não deve ser criticado independente de suas características. Criticar Maduro agora é ser um traidor dentro da esquerda ao se colocar ao lado do imperialismo. Além disso, não importa qual é o governo. Se são querubins anti-imperialistas, se é um condutor de ônibus chavista, se é um ex-espião russo, se é o filho do antigo presidente sírio, se é um general iraquiano, se é um clérigo iraniano, se é um neto de revolucionário coreano ou se é um burocrata chinês, nada disso importa. Se o imperialismo ataca o governo de um país oprimido, é preciso defender este país contra o imperialismo incondicionalmente. O abandono dessa política pela esquerda é uma das maiores capitulações da história.

A falsa escolha de Maduro

Ele então começa a criticar o que seria a política externa incorreta de Maduro. Por seu turno, Maduro parece estar fazendo uma aposta geopolítica de risco. Com efeito, Maduro parece considerar, ante as circunstâncias externas muito difíceis, que à Venezuela lhe basta o apoio internacional de algumas potências extrerregionais, como China e Rússia, e que a cooperação com países da nossa região, inclusive com países amigos, como Brasil, Colômbia e México, seria, por assim dizer, algo ‘dispensável’, ou, ao menos, ‘não fundamental’”, afirmou.

Em primeiro lugar, essa análise é completamente errada. Maduro primeiramente se apoia nos trabalhadores, está constantemente os convocando para mobilizações. Em segundo lugar, a política de Maduro é o exato oposto. Ele quer o apoio de todos. Qual o problema então? Só os países mais independentes do imperialismo apoiam Maduro. É o Brasil, a Colômbia e o México que não querem apoiar o governo venezuelano, que estão na defensiva diante do imperialismo. O chavismo sempre defendeu a união da América Latina. Tanto é que Maduro valoriza suas alianças com Cuba, Nicarágua, Bolívia e agora Honduras.

O autor, então, se revolta com a posição de Maduro: “suas críticas recentes e injustas a esses países causaram espanto. A sua recente decisão de romper relações diplomáticas com sete países da região que não reconheceram os resultados das urnas parece indicar também uma preocupante tendência de isolacionismo regional”. Aqui, o argumento já é absurdo. Os três países citados acima estão pondo dúvidas ao resultado da eleição, é uma posição que serve de base para o golpe de Estado e, portanto, deve ser criticada. Já os demais sete estão agindo a favor do golpe! Maduro poderia tomar medidas ainda mais duras contra eles.

Ele então cita o Brasil como um caso de sucesso: “nosso país procura ter excelentes relações com países estratégicos e em ascensão como Rússia e China e aposta no BRICS como mecanismo de construção de uma ordem mundial mais simétrica e multipolar, assentada em regras efetivamente multilaterais. Ao mesmo tempo, o Brasil também busca ter relações respeitosas e cooperativas com a União Europeia, com os EUA etc”.

A primeira questão é: o imperialismo quer ter relações com Maduro? Obviamente que não, quer o derrubar. O que leva à segunda questão: a relação do Brasil com o imperialismo é boa? Também não. É um entrave para que Lula tenha uma política mais à esquerda. E se Lula der uma “guinada chavista”, terá o mesmo tratamento que Maduro.

A sua percepção é que Maduro está escolhendo se isolar: “a Venezuela não pode ser conduzida a cruzar definitivamente o Rubicão geopolítico do isolacionismo regional e da adesão aos falsos dilemas da nova Guerra Fria”. Ou seja, ele ignora que, na verdade, o país está sob um violento ataque do imperialismo e de seus lacaios.

O texto, então, conclui com a tese que leva a esquerda a ser derrotada sempre e no mundo inteiro: “fascismo se combate com democracia. O Brasil assim o fez. Espera-se que a Venezuela possa fazê-lo também. O caminho do diálogo e das negociações, ainda em que em circunstâncias muito desfavoráveis, é sempre o melhor caminho”.

O fascismo não se combate com “democracia”. Os defensores dessa democracia são os maiores financiadores do fascismo. Quem banca a direita golpista e fascista venezuelana? Biden, Macron, o governo da Espanha e todo o imperialismo dito democrático. O fascismo é combatido pela classe operária. A defesa da “democracia” é um golpe que sempre leva a vitória do fascismo.

No Brasil, os trabalhadores derrotaram a ditadura militar, os trabalhadores derrotaram Bolsonaro. Então, veio a “democracia” e impediu os trabalhadores de terem ainda mais vitórias e, depois, chamou o fascismo ao poder. O ano de 2018 é a comprovação dessa tese. Os democratas todos se uniram para prender o presidente Lula e eleger Bolsonaro. Essa é a luta dos ditos democratas contra o fascismo.

O diálogo pode existir, mas ele não é o caminho. O caminho é a luta. Ela pode assumir diversas formas. No momento, o governo da Venezuela luta contra o imperialismo para que seu país não se torne uma ditadura fascista. É preciso apoiar essa luta, em qualquer forma que ela assuma, incondicionalmente.

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