Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

Uma evolução é a dos preguiçosos, essa que começa no começo da vida e se estende ao tempo infinito do apocalipse. E outra ocorre no tempo da vida do ser. Deve aprimorar seu gosto enquanto está vivo.
anônimo

Voltei à universidade já com idade avançada, em inícios dos anos 90. O nascimento de minha primeira filha me convocava a ter um trabalho mais seguro, então voltei à universidade e me tornei professor antes mesmo de se iniciarem as aulas. Naquele tempo isso era possível, dada a falta de professores na escola pública.
O modelo neoliberal havia cravado suas garras por aqui e o cenário se alterava a olhos vistos.
Reconfiguração do emprego, que se consolidava na área de serviço, o declínio das formas de seguridade, o surgimento de instituições privadas tanto na área da saúde quanto na da educação.
Terminada a graduação, decidi a continuar meus estudos pleiteando uma vaga no mestrado. A facilidade com que consegui esta diretamente ligada às novas exigências mundiais para a expansão educacional do terceiro grau.
O MEC, cumprindo tais exigências, determinava que toda instituição que desejasse ver seus cursos autorizados deveria respeitar com um corpo de professores com parte de especialistas, parte de mestrados e parte de doutorados.
Sob essa nova imposição, as universidades facilitaram ao máximo a formação de mestres e doutores. Eu havia chegado na festa no momento em que ela recomeçava e aceitei tais benefícios. Fiz mestrado e doutorado no mesmo movimento e sete anos depois era doutor em história social.
Trabalhei em inúmeras universidades privadas, mas nutria o sonho de entrar numa universidade pública.
A chance surgiu quando os governos sociais expandiram os números para encontrar a interiorização e oferecer vagas em cidades menores.
O número de mestres e doutores cresceu exponencialmente e os que acorreram ao chamado de formação enfrentaram o oportunismo das faculdades privadas que encontraram uma brecha para escapar aos salários maiores desses profissionais.
As universidades cumpriam as determinações até que o MEC reconhecesse os cursos, depois dispensava os professores titulados preferindo especialistas, com salários muito menores. A situação foi tão extrema que alguns professores, na necessidade de trabalho, ocultavam seus títulos. E muitos simplesmente tiveram que mudar de profissão.
Claro também que essa formação em massa de mestres e doutores exigiu que a formação deteriorasse em nome do crescimento.
Por fim, acabei ingressando numa dessas universidades interiorizadas federais.
E junto comigo, um grupo de professores quase todos novos doutores da formação a toque de caixa das exigências neoliberais.
Era uma forma de democratizar o acesso ao terceiro grau para estudantes menos favorecidos.
A queda da qualidade acadêmica foi acelerada, pois não seria mais esse grau de ensino a promover mobilidade social. A educação técnica, por outro lado, mantinha colocações no mercado de trabalho muito mais eficientes.
Se, num primeiro momento, o acesso foi real, a queda não demorou a seguir. A evasão das universidades privadas implementou um declínio que não mais foi interrompido e a evasão das universidades públicas é tão grave que o MEC reluta em divulgar a situação de penúria.

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Com índices de analfabetismo funcional que rondam acima de 70%, inclusive no seio da própria universidade.
Mas também concorre a esse fator o efeito Bonhoeffer.
A “Teoria da Estupidez” de Dietrich Bonhoeffer, um teólogo alemão, argumenta que a estupidez é mais perigosa do que a maldade. Isso porque a estupidez age de forma irracional, imune à lógica e à razão, e pode ter um impacto mais amplo, afetando pessoas, grupos e decisões.
Os professores da geração neoliberal que atuam em universidades públicas chegaram apenas com os títulos, mas prescindiram da uma formação mais ampla que os estudos não contemplam. São professores incultos. Então se imaginam inteligentes quando são, em sua maioria, apenas estúpidos, seguindo a percepção de Bonhoeffer.
Com a arrogância típica dos inteligentes, são facilmente cooptados por discursos e narrativas prontas, que recusam a investigar e proliferam ideologias canhestras, facilitadas por populismos superficiais.
Mas a gravidade desse cenário é ainda mais preocupante, pois serão esses professores de percepção reduzida os formadores dos novos mestres e doutores, reproduzindo um déficit educacional monumental.
“Bonhoeffer defendia que a maldade pode ser contestada, protestada e, se necessário, reprimida pela força. No entanto, a estupidez, por ser irracional e inflexível, resiste à razão e ao protesto, tornando-se um inimigo mais perigoso para o bem.
A estupidez pode levar a decisões equivocadas, ações irracionais e a um comportamento que prejudica a sociedade como um todo. Além disso, a estupidez pode se propagar, afetando grupos e pessoas de forma mais ampla”.
A tão falada postura crítica que esses professores estupidificados preconizam exige estudo, não de conteúdos acadêmicos, mas de múltiplas percepções em que a realidade não seja apenas efeitos narrativos, mas tábula questionável cujo enfrentamento implique em superação de preconceitos tipicamente coloniais.
Só a dúvida pode restaurar a dignidade acadêmica da universidade pública, professores questionadores e inconformados com as bênçãos do poder.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor

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Last Update: 02/06/2025