São 20 horas de domingo, 7 de julho. As seções eleitorais acabam de fechar após o segundo turno das eleições legislativas francesas – a votação mais importante da história do país – e as primeiras estimativas aparecem nas telas de tevê. O presidente Emmanuel Macron perdeu a aposta. O Rassemblement National (Reagrupamento Nacional – RN) de Marine Le Pen mais que triplicou o número de deputados na Assembleia Nacional e chegou a 290 cadeiras, maioria absoluta. O próximo governo da França será de extrema-direita.
Conforme as pesquisas atuais, esse talvez não seja, por pouco, o resultado mais provável da votação que ocorrerá a menos de três semanas do início dos Jogos Olímpicos de Paris, quando os olhos do mundo estarão voltados para a França. Mas, certamente, poderia ser. O RN tem energia, e Macron está nas cordas. Depois de obter um recorde de 31%, mais que o dobro da chapa do presidente francês, nas eleições parlamentares da União Europeia, as primeiras pesquisas sugerem que o partido poderá ganhar até 265 assentos. Não precisaria de muito para ultrapassar o limite.
Mesmo uma maioria estreita daria ao RN consideravelmente mais influência e forçaria o presidente Macron a buscar alianças quase impossíveis, num Parlamento muito mais hostil e fraturado, para formar um governo perenemente vulnerável a votos de desconfiança. Le Pen e Jordan Bardella, o presidente do RN, ainda não publicaram um manifesto, na intenção de manter a porta aberta pelo maior tempo possível a possíveis alianças de direita no período que antecede a eleição.
Segundo as primeiras pesquisas, o partido de Le Pen saltaria de 89 para 265 cadeiras no Parlamento
O folheto de uma página dos candidatos descreve suas prioridades, encabeçadas por custo de vida, imigração e segurança. Para além da promessa de reduzir as faturas de energia e o IVA sobre a eletricidade, o gás e o óleo para aquecimento, a maioria das promessas não é específica.
“Obviamente, o programa do RN será aplicado”, disse Le Pen recentemente. “Nosso roteiro será a série de propostas que fizemos no passado à população francesa, e que nos parecem essenciais, sobre poder aquisitivo, segurança e imigração.”
Até agora, muito vago. As promessas do partido para 2022 eram mais específicas: expulsar mais migrantes, impedir o reagrupamento familiar, dar preferência aos cidadãos franceses em empregos, benefícios e habitação social e expulsar os imigrantes desempregados há mais de um ano. Defendia privatizar a rádio e a televisão públicas francesas, promessa repetida agora, e instaurar uma “presunção de legítima defesa” para os agentes envolvidos em casos de suposta violência policial, destinada a “restaurar a autoridade e aumentar o moral”.
O RN propôs financiar esse gigantesco aumento dos gastos públicos por meio da tributação dos altos lucros empresariais e as poupanças dos seguros de vida, bem como pela retenção de algumas contribuições para o orçamento da União Europeia, mas o grupo de estudos Instituto Montaigne estimou o custo líquido provável em mais de 3,5% do PIB.
Le Pen reconheceu “restrições” sobre o que o partido pode fazer no governo sem um presidente solidário, enquanto Bardella disse que “escolhas terão de ser feitas” e a reforma das aposentadorias poderá ter de esperar por “uma segunda fase”.
A Constituição francesa afirma claramente que o primeiro-ministro “dirige a ação do governo e assegura a execução das leis”. Cabe ao governo a maior parte da política interna, enquanto a política externa e de defesa ficam principalmente sob responsabilidade do presidente do país.
Embora os presidentes franceses gozem de poderes consideráveis em comparação com muitos outros chefes de Estado, se o RN tiver uma maioria estável, terá margem suficiente para implementar muitas de suas políticas: os primeiros-ministros “coabitantes” anteriores aprovaram medidas às quais os presidentes se opunham, entre elas as 35 horas de trabalho semanais e a reprivatização de empresas estatais.
Há uma certa medida que o presidente poderia tomar para restringir as ações de um governo liderado pelo RN. “Ele não tem poder de veto”, observou Rahman, mas pode recusar-se a assinar decretos governamentais e atrasá-los, encaminhando-os para um conselho constitucional independente.
Evidentemente, não há certeza de que o RN obterá a maioria, ou mesmo se será capaz de formar uma maioria em aliança com outros. O resultado mais provável, segundo as pesquisas de opinião e a maioria dos especialistas, é mais um Parlamento suspenso. Mas de qualquer forma a França enfrentará alguns anos difíceis.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Publicado na edição n° 1316 de CartaCapital, em 26 de junho de 2024.