O discurso que não apareceu…
por Izaías Almada
O livro de Marcelo Rubens Paiva e o filme de Walter Salles Júnior juntaram a fome e a vontade de comer.
“Ainda Estou Aqui”, como literatura e cinema, tem a dose certa de como a arte é capaz de informar e sensibilizar povos de culturas diferentes, mostrando através de um drama familiar que a luta de classes, mesmo quando edulcorada por falsas democracias de algibeira, continua na ordem do dia.
A exploração do trabalho pelo capital ainda não colocou a obra de Marx e Engels no fundo da gaveta, como querem alguns, sobretudo se lembrarmos da rápida ascensão da dupla Trump&Musk nos últimos anos, como guardiães do capital.
Los Angeles via Hollywood, a cidade que distribui anualmente para o mundo o caramelo da arte e da vulgaridade em doses não tão homeopáticas, foi outra vez palco de uma premiação que, fazendo ou não justiça a alguns dos concorrentes, sempre que pode procura beneficiar o cinema norte americano (em anos passados chegou ser a terceira fonte de renda do EUA).
A euforia pela vitória de melhor filme estrangeiro no primeiro dia do nosso carnaval é auspiciosa, mas deixou no ar um cherinho de copa do mundo de futebol, quando na verdade o grande mérito do filme é resgatar uma tentativa de cancelamento de um período sujo, selvagem e desumano imposto ao Brasil durante mais de 20 anos.
Walter Salles Jr. tinha no bolso do paletó um discurso primoroso, contudo, atento e sensível àquele momento de comemoração, resolveu não mostrá-lo. Aí vai:
“Obrigado, em nome do cinema brasileiro”.
“Agradeço à Academia por reconhecer a história de uma mulher que, diante de uma tragédia causada por uma ditadura militar, optou por resistir para proteger sua família”.
“Em um tempo em que tais regimes estão se tornando cada vez menos abstratos, dedico esse prêmio a Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis”.
“Este prêmio também pertence a duas mulheres extraordinárias, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Elas não apenas elevaram nosso filme, mas representam o fato de que a arte resistiu no Brasil”.
“Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco. Obrigado a todos, em nome do cinema brasileiro e latino-americano! Viva a Democracia, Ditadura Nunca Mais!”.
Parabéns Waltinho: curto e grosso!
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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