No último domingo, a Avenida Paulista foi novamente ocupada por vozes potentes, corpos diversos e bandeiras que não tremulam apenas por celebração, mas por resistência. A 28ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, das maiores do mundo, trouxe como tema “Velhices LGBTQIA+: Existir e Resistir” — uma escolha que, por si só, é um ato político.

Falar sobre as velhices LGBTQIA+ é romper com o ciclo de invisibilização que atinge quem ousa viver fora da heteronormatividade e da cisgeneridade em todas as etapas da vida. Mas, sobretudo, é um convite a refletirmos sobre um direito básico ainda negado a milhões de brasileiros e brasileiras: o direito de viver com dignidade sendo quem se é — da infância à velhice.

Essa luta é o que nos mobiliza para a proteção de defensores de direitos humanos e da sociedade civil diante de ataques institucionais, discursos de ódio e ameaças à democracia. Se nossa trincheira é o campo jurídico, nossa missão é clara: garantir a liberdade como direito inegociável e a dignidade como condição de existência.

Enquanto a Parada pedia respeito às pessoas LGBTQIA+ idosas, também é preciso lembrar que nossas crianças e adolescentes seguem sendo alvo da ignorância e da intolerância. O Brasil ainda carece de políticas públicas que acolham jovens LGBTQIA+ com segurança, respeito e acesso à educação inclusiva.

De acordo com a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Escolar para Pessoas LGBTQIA+ (2022), realizada pela AGBLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) e parceiros, 91% dos estudantes LGBTQIA+ já ouviram comentários LGBTfóbicos nas escolas, e 48% disseram já ter sofrido agressões verbais ou físicas por causa da sua identidade ou orientação sexual.

O ambiente escolar, que deveria ser espaço de proteção e formação cidadã, muitas vezes se transforma em campo de violência e abandono institucional. Ao mesmo tempo, discursos políticos autoritários seguem tentando impedir que crianças LGBTQIA+ tenham acesso a representações positivas de si mesmas, seja na educação, na cultura ou na saúde.

Do outro lado da linha do tempo, temos uma população de pessoas LGBTQIA+ envelhecendo sem garantias mínimas de amparo. Muitos desses corpos que ontem enfrentaram a ditadura, o HIV, o preconceito social e familiar, hoje vivem o abandono, o medo e a precariedade.

Segundo dados do IBGE cruzados com estimativas do Grupo Pela Vidda, mais de 60% das pessoas LGBTQIA+ idosas vivem sozinhas ou em situação de vulnerabilidade social. Isso se agrava pela ausência de políticas específicas para esse público no SUS, na assistência social e na rede de proteção à pessoa idosa.

Esses sujeitos não apenas enfrentam o etarismo, mas também o preconceito estrutural que os acompanha desde sempre. A expectativa de vida da população LGBTQIA+ no Brasil é, segundo dados do Grupo Gay da Bahia, cerca de 35 anos inferior à média nacional, reflexo de um país que ainda mata, abandona e silencia sua diversidade.

Quando falamos de dignidade, falamos do direito de viver com liberdade, autonomia, proteção e afeto — do nascimento até o fim da vida. Isso significa garantir escolas que acolham, famílias que apoiem, serviços públicos preparados e uma Justiça que atue para proteger, e não perseguir.

O campo jurídico, onde atuamos, observamos um palco tanto de avanços como de ataques. Se por um lado acumulamos conquistas como o casamento igualitário e a criminalização da LGBTfobia, por outro enfrentamos tentativas de retrocesso por meio de decisões judiciais enviesadas, projetos de lei discriminatórios e omissões do Estado.

É por isso que seguimos firmes na nossa missão: proteger quem defende, agir quando há violação, ocupar as instituições com argumentos, estratégias e coragem. Porque não há democracia real sem que todas as vidas importem — em sua diversidade, em sua complexidade, em sua inteireza.

Envelhecer com orgulho é um direito. Crescer com segurança também. A Parada deste ano nos lembrou que viver é resistir. Que o orgulho não se encerra em junho, e que nossos corpos não são efemérides. O orgulho LGBTQIA+ é cotidiano, é político, é intergeracional. E precisa ser protegido pelas leis, garantido pelas políticas públicas e respeitado pela sociedade.

Defendemos uma agenda ampla que contemple: políticas de acolhimento para crianças e adolescentes LGBTQIA+; ampliação de equipamentos públicos voltados à população idosa LGBTQIA+; capacitação de profissionais da saúde, assistência e segurança; punição a crimes de LGBTfobia com rigor e celeridade; proteção legal a pessoas LGBTQIA+ defensoras de direitos humanos.

Porque ninguém deveria precisar esconder quem é para sobreviver. E, porque, sim, todas as pessoas LGBTQIA+ têm o direito de crescer com afeto, viver com dignidade e envelhecer com orgulho.

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Last Update: 25/06/2025