Paulista da cidade de Cruzeiro, localizada a 223 quilômetros de São Paulo, Márcio Thomaz Bastos, morto em 2014, deixou seu nome marcado na galeria dos maiores advogados criminais do País. Foi ainda ministro da Justiça no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que conheceu quando defendia os metalúrgicos do ABC.
A preocupação com a justiça social sempre foi uma característica marcante do advogado cuja trajetória é agora recuperada em O Ministro Que Mudou a Justiça: Márcio Thomaz Bastos. O livro foi organizado por um grupo de colegas e amigos que participaram de diferentes momentos de seu percurso profissional, que incluiu uma importante atuação na Ordem dos Advogados Brasil durante a ditadura. O prefácio é do presidente Lula.
No período à frente do Ministério da Justiça, Bastos conseguiu, entre outras coisas, aprovar a criação do Conselho Nacional da Justiça, controle externo do Judiciário, aprovar o Estatuto do Desarmamento e implantar uma ampla reforma na Polícia Federal.
No caso da PF, o pontapé inicial para a transformação foi a escolha de um policial respeitado pelos seus pares para o cargo de diretor-geral do órgão, o delegado Paulo Lacerda, que Márcio Thomaz Bastos havia conhecido no período das investigações da PF sobre o ex-presidente Fernando Collor.
Tendo atuado na corregedoria em vários estados, o delegado conhecia não só os desvios de conduta dos policiais, mas também as peculiaridades dos crimes financeiros. Antes de ingressar na PF, havia trabalhado durante 15 anos em bancos e em delegacias fazendárias.

O Ministro Que Mudou a Justiça: Márcio Thomaz Bastos. Vilardi, C., Salomi, M., Carvalho M.C., Bottini, P.C., Ráo S. e Galvão T. (orgs.). Civilização Brasileira (192 págs., 79,90 reais) – Compre na Amazon
Foi sob o comando de Lacerda e a gestão de Bastos no ministério que teve início o método das grandes operações da Polícia Federal, baseadas no aprimoramento da inteligência, algo que potencializava os resultados das investigações. Identificadas a partir de nomes muitas vezes criativos – como Anaconda, Gabiru e Sanguessuga –, as operações ganharam visibilidade nos meios de comunicação de massa e, por consequência, a população passou a acompanhá-las.
“A mudança de metodologia investigativa de polícia atribuía especial atenção para a atividade de inteligência policial, seguida de meticuloso e complexo planejamento operacional, daí partindo para a realização de diligências ostensivas, articuladas e simultâneas em várias cidades do Brasil, mediante emprego de grande contingente de policiais federais”, afirma Lacerda no texto A Guinada Republicana da PF, um dos tantos artigos do livro. “Todo o trabalho policial tinha prévia autorização dos juízes criminais e a anuência dos membros do Ministério Público.”
Também fora do âmbito governamental, o legado de Márcio Thomaz Bastos é indiscutível. Há um consenso entre os criminalistas de que ele mudou a forma de advogar no País, com sua habilidade de traçar estratégias e suas sustentações orais memoráveis. “Em homenagem à sua memória é justo recordar a defesa que fez de causas populares, em favor de negros, indígenas, presos e pessoas que sofrem violência no campo”, relata, no artigo Em Defesa dos Direitos Fundamentais dos Menos Favorecidos, Luiz Armando Badin, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. “Ele tinha plena consciência de que os direitos fundamentais de minorias são temas da mais elevada dignidade constitucional. Sabia que em sua melhor expressão, o advogado é, antes de tudo, um cidadão. E destacou-se como ambos.”
Amplamente reconhecido em vida, tanto como advogado criminalista quanto como homem público, Bastos morreu aos 79 anos, ainda em plena atividade profissional. •
VITRINE
Por Ana Paula Sousa
O protagonista de A Ligação (Fósforo, 160 págs., 69,90 reais), de Katharina Volckmer, trabalha em um call center atendendo clientes insatisfeitos com viagens. Não é raro que ele leve a conversa para temas, no mínimo, pouco esperados, extraindo, daí, um efeito cômico desconcertante.
Em Um Ditador da Linha (Companhia das Letras, 144 págs., 74,90 reais), o albanês Ismail Kadaré explora, a partir de informações reais, diferentes versões para a enigmática e polêmica ligação feita por Josef Stalin, nos anos 1930, ao poeta Boris Pasternak, autor de Doutor Jivago.
Nome de destaque na literatura espanhola contemporânea, Juan Gómez Bárcema se aventura, em Nem Mesmo os Mortos (480 págs., 104,90 reais), pelo gênero épico. Ele atravessa mais de 400 anos para nos fazer refletir sobre os sentidos do tempo e as mudanças por ele trazidas – ou não.
Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital, em 11 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O criminalista e suas causas’