No artigo UTI e a espetacularização feita por Bolsonaro!, publicado pelo Brasil 247, o advogado Arnóbio Rocha procura condenar moralmente a divulgação de imagens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante sua internação na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do hospital DF Star. Após explicar que a UTI é “um ambiente tenso e de extremos cuidados, para garantir a recuperação plena dos casos mais graves”, o advogado dispara:
“Dito isso, é inacreditável o espetáculo promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na UTI do mais sofisticado hospital particular de Brasília, o Hospital DF Star, de uma rede hospitalar famosa, o que consequentemente é um dos mais caros e dos mais modernos do Brasil, obviamente a saúde de figuras importantes do país merece o melhor para garantir sua vida. (Sem demagogia de que deveria ir para o SUS).”
A política de Rocha poderia ser resumida na seguinte frase: vale tudo contra Bolsonaro. É muito provável, inclusive, que o próprio articulista defendesse que Bolsonaro se internasse no Sistema Único de Saúde (SUS). Ele só não o faz — e chama de demagogo quem o faz — porque, recentemente, o presidente Lula foi criticado por se internar em um dos grandes hospitais privados do País, o Hospital Sírio-Libanês.
Por essa questão, já se percebe o quanto a política de Arnóbio Rocha é medíocre. Sua crítica a Bolsonaro não parte de princípios. Parte de um conjunto de conveniências, que mudam ao sabor dos acontecimentos.
Vejamos agora o que Rocha chama de espetáculo. Segundo o Dicionário Caldas Aulete, “espetáculo” seria “aquilo que atrai a atenção, chama e prende o olhar”. O dicionário também considera que a palavra possa significar “cena escandalosa”, o que, em essência, é a mesma coisa. O Dicionário Michaelis/UOL, por sua vez, define “espetáculo” como “tudo o que atrai a vista ou prende a atenção”, “representação teatral, cinematográfica, circense etc.” ou “qualquer apresentação pública que impressiona ou é destinada a impressionar a vista por sua grandeza, cores ou outras qualidades”.
Seja qual for a definição que formos utilizar, o “espetáculo” é parte necessária da política. Especialmente a política feita por líderes de massa. Em qualquer discurso que Lula faça às massas, ele procura — e efetivamente consegue — chamar a atenção. É uma das características que o distingue de um burocrata como Fernando Haddad (PT), por exemplo. E é uma das características que os apoiadores do petista mais exaltam.
A ideia de “representação” também está presente até mesmo nos atos oficiais. Quando o presidente da República participa de uma reunião com o presidente da Câmara, ele está representando uma instituição e, portanto, se porta como tal. Suas considerações pessoais sobre a figura do presidente da Câmara devem ser deixadas de lado.
A crítica de Arnóbio Rocha não apenas é besta, como é hipócrita. É um método típico da direita, que foge do debate político — uma vez que sua política é criminosa — e ataca seus adversários por questões menores e sem importância. Em breve, exporemos qual o debate real do qual Rocha está fugindo. Antes, daremos mais uma demonstração de sua hipocrisia:
“O comportamento de tornar a internação dele num circo parece o oposto do que se espera para um paciente em estado grave, a UTI é medida extrema para melhor atendimento e com regras restritas que são incompatíveis com o que se assiste, o que põe em dúvida a gravidade, senão a responsabilidade de quem o trata e dele próprio. Fazer lives, promover venda de produtos, esculhambar as autoridades, a movimentação intensa de visitas, um BBB ao vivo, que foi coroado com uma citação e uma intimação judicial feita pelo STF, afinal se ele, o paciente pode tudo, por que não receber um oficial de justiça? Nem vale a cena de vitimização de que ele está na UTI, se esta foi descaracterizada por ele e pelo ambiente cenográfico montado.”
Deixando de lado toda a crítica sobre a forma como Bolsonaro se comportou, o que Rocha critica é que o ex-presidente aproveitou um momento delicado de sua própria vida para fazer política. O que o advogado teria a dizer dos seguintes casos?
“Marisa morreu triste porque a canalhice, a leviandade e a maldade que fizeram com ela… Quero provar que os facínoras que levantaram leviandades contra ela tenham um dia a humildade de pedir desculpas”, disse Lula, no enterro de sua esposa, Marisa Letícia.
“Não seria estranho se tivessem desenvolvido uma tecnologia para induzir ao câncer e ninguém soubesse disso até agora”, disse o líder nacionalista venezuelano Hugo Chávez a respeito dos Estados Unidos, no momento em que combatia um câncer agressivo que o levaria à morte um ano depois.
“Lula chorou ao se despedir e agradecer a todos. Perante seu neto, ele tomou um compromisso de que vai comprovar a inocência dele e nós esperamos que isso ocorra o quanto antes”, afirmou Eduardo Suplicy, após testemunhar o enterro do neto do presidente Lula.
Uma vez demonstrada a hipocrisia de nosso advogado, vejamos agora qual é a questão política da qual ele foge.
Qual o conteúdo do “espetáculo” de Bolsonaro? É o de uma perseguição política. As fotos no hospital procuram mostrar uma vítima — afinal, segundo a mitologia bolsonarista, o ex-presidente foi vítima de uma facada orquestrada pelo “sistema”. Agora, o mesmo homem ferido pelo “sistema” se mostra disposto a continuar denunciando seus algozes.
O importante nisso não é o comportamento de Bolsonaro, mas analisar o que ele de fato está dizendo. A denúncia de que hoje é vítima de uma perseguição procede? Não há dúvida. E o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) citá-lo em um processo penal mesmo internado na UTI só reforça que há, de fato, uma perseguição.
Rocha evita entrar no debate político porque a posição que ele, que se diz advogado, defende é bárbara. Ele defende que uma Corte que não é eleita por ninguém possa condenar um ex-presidente sem provas, que possa condenar uma moça a 14 anos de cadeia por uma pichação em uma estátua, que utilize a delação premiada como um método legítimo.
A crítica moral ao “espetáculo” de Bolsonaro é, portanto, a defesa dos crimes cometidos pela ditadura do STF.