No dia 28 de fevereiro de 2024, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) julgou a conduta do promotor Nelson O’Reilly, da comarca de São João da Boa Vista.

O relatório da corregedoria do CNMP era arrasador. Entre outras denúncias, apontava:

  • o promotor fez inúmeras publicações em redes sociais com viés político-partidário e ideológico em prol de determinados candidatos e partido político e críticas públicas a outros candidatos de outros partidos opositores aos de suas preferências ideológicas.
  • Nas publicações, foram feitas manifestações contra a vacinação de Covid-19, questionamentos à legitimidade do processo democrático das eleições de 2022;
  • insultos e ofensas a autoridades e aos Poderes constituídos do Estado. 
  • Além disso, o promotor teria atuado em procedimentos investigatórios e de processos judiciais nos quais estaria suspeito e/ou impedido de atuar.
  • Pelos fatos apurados, foram constatados indícios de atuação do promotor de Justiça em investigações contra vereadora que convocou atos antidemocráticos que consistiram em colaboração para o bloqueio de rodovias contra o resultado das eleições presidenciais de 2022, com a qual foram verificados indícios de relação de amizade e vínculo de proximidade, além do compartilhamento da mesma posição político-partidária e ideológica.  Nessas investigações, o membro do MP teria realizado arquivamentos sem a adoção de qualquer diligência apuratória.
  • Além disso, foram verificados indícios de atuação do membro processado em investigações instauradas e conduzidas por ele contra pessoas contra as quais já teria movido ação ou representação por crime contra a sua honra.
  • Por fim, a Corregedoria Nacional apurou que o promotor de Justiça teria atuado de forma indevida contra ou a favor projetos de lei que tramitavam na Câmara de Vereadores de São João da Boa Vista, com interferência excessiva no Poder Legislativo e na independência de parlamentares municipais, inclusive com ameaça telefônica contra ex-vereador.

Por unanimidade, o Plenário referendou a instauração do processo administrativo disciplinar, pena de suspensão por 90 dias e, por maioria, decidiu pelo afastamento cautelar do membro de suas funções pelo prazo de 60 dias.

O corporativismo do MPE-SP

Antes, todas as denúncias contra Nelson O’Reilly foram liminarmente arquivadas pela corregedoria do Ministério Público de São Paulo.

No dia 21 de novembro de 2019, o site oficial do MPSP chegou a publicar uma nota de desagravo, alegando que “a tentativa de desqualificar quem representa o Estado acusador é um expediente bastante conhecido nos meios jurídicos. Mas a comunidade sanjoanense pode estar certa de que os dois promotores, com o respaldo e a solidariedade da nossa instituição, continuarão a atuar sempre com base na técnica e no profissionalismo, buscando única e exclusivamente o bem comum”.

No CNMP, a defesa de O’Reilly foi feita pelo subprocurador Wallace Paiva Martins Junior, mostrando a face mais explícita do lavajatismo que ameaça as prerrogativas de todos os procuradores, pela condescendência com todo tipo de abusos.

Os argumentos foram esdrúxulos, tendo tudo para se tornar um clássico do corporativismo.

Não nega o teor das publicações políticas, atacando autoridades do Supremo, defendendo a cloroquina. Mas…

“A postagem mais recente descrita na portaria data do ano de 2022, ano das eleições presidenciais, comprometendo-se o reclamado a não mais efetuar postagens de conteúdo político-partidário (documento anexo)” .

Também admite a perseguição judicial ao advogado Maurício Betito. Mas…

“O reclamado, em respeito ao entendimento da egrégia Corregedoria Nacional, declarou-se suspeito para atuar em todos os casos envolvendo o advogado, comprometendo-se a assim agir em situações futuras (documento anexo)”.

Admitiu a impropriedade do arquivamento de uma denúncia contra vereadora de Águas da Prata, com quem tem afinidades políticas. Mas:

“Houve arquivamento da notícia de fato endossado por outros três Promotores de Justiça e o reclamado, e em respeito ao entendimento da egrégia Corregedoria Nacional, o reclamado comprometeu-se a declara-se suspeito para atuar em casos envolvendo a referida vereadora”.

Foi acusado de ter interferido indevidamente no plano diretor. Mas 

“Declarou o reclamado (documento anexo) inexistir fato atual na comarca que demandaria a atuação do Ministério Público junto ao Poder Legislativo, para assegurar direitos da sociedade na esfera criminal, e que, diante do entendimento do egrégio Conselho Nacional, eventual e futura atuação ministerial será sempre precedida de consulta aos órgãos de apoio da Administração Superior, sobre seus limites e legitimidade”.

Finalmente, o subprocurador Wallace levanta o argumento final:

“Como se constata, todos os fatos descritos na portaria se referem a situações já consumadas, exauridas e pretéritas cujos efeitos não se prolongam no tempo; ou a situações em que houve voluntário afastamento do reclamado, diante do entendimento da Corregedoria Nacional”.

Vítima que ficaram pelo caminho, reputações destruídas, perseguições que arruinaram pessoas, nada disso importa, segundo a defesa, porque o que passou passou e não há mais o que fazer.

Não adiantou. O promotor foi considerado culpado e o CNMP determinou seu afastamento compulsório por 60 dias.

O mais inusitado é que a determinação do CNMP, de suspensão do promotor, não foi acatada pelo Procurador Geral de Justiça do MPE de São Paulo. 

Ontem, o conselheiro relator do CNMP, Paulo Cézar dos Passos, através do Processo Administrativo Disciplinar no. 100577/2024-50 foi claro:

Espera-se, agora, que a nova PGE do Ministério Público Estadual inicie um processo de despolitização do MPE e de combate a um corporativismo pernicioso, que compromete a imagem de todos os promotores sérios do Estado. E que o CNMP entenda que abusos de promotores estaduais são a grande ameaça aos direitos humanos nos municípios, e uma porta aberta para o avanço do crime organizado nos contratos municipais – na medida em que a politização de promotores tornam-nos automaticamente seletivos nas suas investigações.

Como o ativismo político de promotores deixou uma cidade desarmada, por Luís Nassif