No dia 25 de junho, o Congresso Nacional impôs uma dura derrota ao governo Lula ao aprovar um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) sustando o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) baixado pela equipe econômica do ministro Fernando Haddad, do PT, após negociação com os próprios presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O acordo havia sido firmado no dia anterior numa reunião na residência do próprio Hugo Motta, mas, menos de 24 horas depois, o presidente da Câmara traiu o acordo e anunciou que colocaria o PDL em votação.

A votação cumpriu o que havia sido profetizado por um integrante do centrão: naquele dia, “o governo ficaria de joelhos”. E ficou. Foram 383 votos a favor contra apenas 98 no projeto que enterrou uma Medida Provisória (MP) que aumentava a taxação de algumas transações financeiras. Minutos depois da votação na Câmara, Alcolumbre aprovou o PDL em votação simbólica no Senado. A MP do governo unificava as diferentes operações financeiras sob uma taxa de apenas 3,5%, afetando, por exemplo, as remessas ao exterior que pagavam a alíquota ridícula de 1,1%. Embora o impacto financeiro não tenha a proporção que Haddad tenta mostrar, foi a primeira vez que o Parlamento derrubou um decreto do governo desde 1992, no governo Collor.

Mas não foi só isso que o Congresso Nacional aprovou. Além de barrar essa taxação mínima, e impedir o aumento de imposto para as bets e as fintechs, retomou-se um jabuti que malandramente fora inserido numa lei sobre energia eólica, beneficiando as empresas do setor elétrico e aumentando as contas de luz da população em cerca de 3,5% nos próximos anos. Estima-se que o povo pagará até R$ 197 bilhões a mais até 2050 para satisfazer o lobby dos monopólios do setor.

Achou pouco? O Congresso aprovou ainda o aumento no número dos deputados de 513 para 531 e elevou o fundão partidário, e existe um Projeto de Lei que acumula os supersalários dos parlamentares às suas já privilegiadas aposentadorias. Tudo isso num plenário vazio, em época de festa junina, com os deputados e senadores votando de forma remota, tranquilamente em seus respectivos estados, entre um gole de vinho quente e uma mordida num milho verde.

O governo Lula, por sua vez, humilhado pelo Congresso Nacional, pôs em marcha uma campanha de que faria “justiça tributária”, taxando os ricos em favor dos pobres; mas o Congresso Nacional sabotaria qualquer medida que tocasse, mesmo que minimamente, nos interesses do capital financeiro, das grandes empresas e do agronegócio. Sob o lema “Congresso inimigo do povo”, tenta passar a imagem dessa crise política como uma polarização entre um governo a favor dos pobres e um Legislativo que atuaria exclusivamente em prol dos ricos.

O Congresso Nacional é inimigo do povo. Não há nenhuma margem de dúvida em relação a isso. Uma verdadeira quadrilha que não aceita que se toque em um centavo dos super-ricos (até porque a maior parte dele é diretamente bilionária, ruralista, empresária, e outra grande parte são funcionários e representantes desses setores). Trata-se de um Congresso que sequestra o orçamento por meio das emendas parlamentares, impondo uma espécie de semiparlamentarismo reacionário na prática, e que não hesita em aumentar seus privilégios, defender as isenções bilionárias às grandes empresas e ao agro, enquanto grita com hipocrisia por “ajuste fiscal”, mas só em cima dos mais pobres.

Mas, se o Congresso é inimigo do povo, o governo Lula seria amigo? Sua política econômica demonstra o contrário.

Fala uma coisa e faz outra

Lula também governa para os ricos, contra os trabalhadores

Lula, seu vice, Geraldo Alckmin e o ministro Haddad Foto Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

É preciso lembrar que essa crise teve início quando o ministro Haddad, a fim de manter o arcabouço fiscal (um teto de gastos públicos para garantir o pagamento da dívida aos banqueiros; entenda mais no quadro abaixo), anunciou um corte de R$ 31,1 bilhões do Orçamento. O maior já realizado sob Lula III. Como o governo precisa, para manter esse teto dos banqueiros, não só cortar, como arrecadar mais, propôs o Imposto sobre Operações Financeiras (que não pega só investidores e fundos de investimentos, mas todas as operações de crédito, como empréstimos e cartões).

Pois bem, a proposta final sobre o IOF garantiria R$ 10 bilhões a mais aos cofres do governo. Não para a Saúde ou a Educação, mas para ajudar no superávit primário (arrecadação menos gastos, tirando os juros da dívida), justamente para bancar o pagamento da dívida aos banqueiros. Ou seja, além de ser limitado no que se refere a taxar fundos de investimentos ou bancos (que, além de tudo, repassariam esses custos à população) e de pegar parte significativa da classe média, essa medida visava sustentar o arcabouço. Ao fim e ao cabo, beneficiava o próprio mercado financeiro que está nadando em dinheiro com a dívida e uma das maiores taxas de juros do mundo, mais uma vez elevadas recentemente pelo Banco Central do governo Lula.

Enquanto isso, a medida do governo em isentar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que também é extremamente insuficiente e limitada, continua engavetada na Câmara. Se Lula, o PT e os outros partidos da esquerda parlamentar, como PSOL e PCdoB, rompessem com a Fiesp, a Febraban e os partidos da burguesia e do centrão, poderiam chamar as organizações dos trabalhadores e o movimento popular e estudantil à luta e, com uma ampla mobilização nacional, impor uma pauta que tem grande simpatia da população. Assim como poderia impor o fim da famigerada escala 6×1, a suspensão do pagamento de indecentes 15% dos juros da dívida pública aos banqueiros e fazer com que os ricos realmente paguem imposto nesse país. Se o próprio presidente Lula denuncia que o Brasil “dá R$ 860 bilhões em isenções para os ricos”, por que não edita uma MP acabando com essa farra?

Isso seria uma política de “justiça tributária” de verdade, da qual tanto fala o governo e Haddad. Porém, ao contrário disso, Lula governa em uma frente ampla com os partidos da burguesia, incluindo o centrão e a direita, os mesmos setores que, com 14 ministérios nas mãos, impõem derrotas humilhantes contra o próprio governo.

O governo Lula, contudo, denuncia o Congresso Nacional no discurso, mas, na prática, impõe o ajuste fiscal, especialmente em cima dos mais pobres, da classe trabalhadora e da classe média. Enquanto os olhos estavam voltados para a polêmica do IOF, o governo simplesmente tirou 10% do orçamento da Educação ao incluir o Pé de Meia, um programa de assistência social, na rubrica do MEC. Uma manobra fiscal para cortar gastos da Educação. Além disso, vem restringindo ainda mais o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e segurando os recursos às universidades federais a ponto de ameaçar seu funcionamento.

Impasse e crise política

As razões dessa crise são múltiplas: as eleições estão logo aí, e o Congresso Nacional quer emendas para garantir suas respectivas reeleições (ou para simplesmente continuar roubando). Um setor já trabalha para desgastar o governo Lula em prol de um eventual governo de ultradireita, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), expressando uma parte do sistema financeiro e da burguesia que tende a uma alternativa à la Milei, ou seja, aceleração das privatizações e um rolo compressor nas áreas sociais. Outro fator é que os lobbies, como as fintechs, as bets e parte do mercado, simplesmente não querem pagar nada e defendem que se continue cortando gastos para os pobres e pronto.

O problema é que essa disputa e esse modelo de semipresidencialismo geram impasses que impedem ou atrasam a política econômica que vinha sendo implementada pelo governo – ajuste fiscal, arcabouço e déficit primário zero. Gera instabilidade e paralisia. Ou seja, torna-se disfuncional para um setor da própria burguesia, como expressou a própria Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em nota oficial, cujo teor era algo como “resolvam-se aí, que as coisas não podem parar”.

Entenda

Arcabouço fiscal é teto de gastos em favor dos banqueiros

Aprovado pelo governo Lula em 2023, o arcabouço fiscal substituiu o teto de gastos do governo Temer. O antigo teto, que congelava todos os gastos, exceto os da dívida, já havia desmoronado na prática quando o atual governo impôs uma nova versão, mais factível.

Embora mais flexível, ao levar em conta o vaivém da economia, ele não deixou de ser um teto. Ao contrário. A ideia é justamente impor um regime permanente de ajuste fiscal a longo prazo. Em vez de simplesmente congelar os gastos, ele determina uma faixa que restringe as despesas:

  • – Mínimo de 0,6% de aumento e máximo de 2,5%
  • – Essa faixa não se dá sobre todo o aumento da arrecadação, mas só dentro de 70% dela

Isso significa que, mesmo que o país, por alguma razão, cresça a 10% como no tempo do “milagre”, o que não vai acontecer, os gastos sociais continuarão represados nessa faixa (e, na prática, serão congelados, porque, na melhor das hipóteses, acompanharão o crescimento demográfico).

Mais do que isso, o arcabouço é incompatível com os atuais pisos constitucionais da Saúde (15%) e da Educação (18%). Por uma razão simples: se você baixa um teto de 2,5% para todo o orçamento, esses setores indexados não caberão na conta. Por isso, desde que foi anunciado o arcabouço, a equipe econômica do governo já sinalizou que os pisos deveriam ser revistos.

E tudo isso para quê? Para garantir o pagamento da dívida aos banqueiros. Essa dívida, ao contrário das áreas sociais, não tem nenhum teto ou restrição. Pelo contrário, cresce de forma exponencial com o aumento dos juros promovido pelo próprio governo Lula.

Abaixo os ataques do Congresso Nacional e a política econômica do governo Lula

Ato unificado contra o arcabouço e o marco temporal, em SP

Enquanto promove uma campanha publicitária-eleitoral afirmando que defende os pobres, o governo Lula impõe uma política econômica em favor dos banqueiros, do agronegócio e dos grandes monopólios, contra a classe trabalhadora e a maioria do povo. Se o IOF, que em seu discurso seria uma medida contra os ricos, arrecadaria R$ 10 bilhões neste ano, o aumento dos gastos com os banqueiros em seu governo é 15 vezes mais que isso.

Desde que seu indicado à presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo, assumiu o cargo, o banco aumentou em 2,75 pontos a taxa básica de juros. Isso representa algo em torno de R$ 150 bilhões a mais na dívida pública em um ano. São cinco vezes mais o que foi cortado do Orçamento (Saúde, Educação etc.).

Dá para perceber a hipocrisia da propaganda do governo? Se, de um lado, impõe um bloqueio de R$ 2,5 bilhões às universidades federais, corta R$ 31,1 bilhões do Orçamento (atingindo todas as áreas sociais) e tenta aumentar um imposto que atinge toda a classe trabalhadora, por outro lado, garante, numa só canetada, R$ 55 bilhões aos banqueiros a cada ponto que aumenta da taxa de juros. Isso sem falar no avanço das privatizações, com as concessões e entrega dos campos de petróleo e as Parcerias Público-Privadas (PPP), inclusive com os governos da extrema direita, como o de Tarcísio em São Paulo.

Isso significa que o governo corta da Saúde, da Educação e da recomposição do salário mínimo e entrega o país via privatização para “economizar” algumas dezenas de bilhões, enquanto, do outro lado, as isenções fiscais aos grandes monopólios e o pagamento da dívida aos banqueiros somam centenas de bilhões. É nisso que se resume a tal “crise fiscal”: o barquinho do orçamento está sendo inundado pelos gastos com grandes empresários, agro e banqueiros, e a solução do governo é tirar a água com uma caneca, que são as despesas sociais e o patrimônio público. Além de ser o contrário de justiça fiscal ou tributária, é insustentável a médio e longo prazo, inclusive no âmbito dessa política econômica neoliberal.

Saída

Luta independente da classe trabalhadora por suas reivindicações e soberania

Ato pelo fim da Escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho em SJC Foto SindMetal/SJC

A saída para os trabalhadores e o povo pobre não é ficar a reboque de um eterno “mal menor”, refém de uma política econômica a favor dos ricos, enquanto, na vida concreta, a situação só piora, com precarização do trabalho, destruição e entrega dos serviços públicos e inflação dos alimentos. Enquanto os números oficiais da economia estão bem, a vida da classe trabalhadora vai muito mal.

A saída é a mobilização independente da classe trabalhadora em defesa de suas reivindicações, como o fim da escala 6×1, a isenção do Imposto de Renda, uma reforma agrária ampla e radical, a demarcação e homologação das terras indígenas e quilombolas, uma política de créditos e subsídios aos pequenos negócios e uma política real de enfrentamento e apoio a mulheres e LGBTIs. Para isso, é preciso acabar com o arcabouço fiscal, suspender o pagamento da dívida pública aos banqueiros, fechar a torneira das isenções bilionárias aos grandes monopólios e parar a política de privatizações e entrega, retomando as empresas privatizadas e colocando-as nas mãos dos trabalhadores.

O Congresso Nacional é parte fundamental dessa engrenagem e não pode ficar de fora. É preciso lutar para derrubar essas malandragens aprovadas a toque de caixa, como o aumento na conta de luz em favor das empresas do setor de energia e as mamatas aprovadas pelos parlamentares, e defender o fim dos privilégios dessa corja. Deputados, senadores e todos os parlamentares têm de receber o mesmo que um operário ou uma professora de escola pública, com mandatos revogáveis e sem qualquer mordomia.

A classe trabalhadora necessita avançar a mobilização e a organização, de forma independente da burguesia, para afirmar suas necessidades. Caso contrário, continuará sendo refém de algum setor da burguesia, que briga entre si na hora de repartir as fatias da riqueza extraída da nossa exploração, mas concorda em nos atacar sempre para manter o sistema capitalista de exploração e opressão e a submissão do Brasil aos imperialismos.

É preciso, nesse processo, fortalecer uma alternativa revolucionária e socialista que apresente à classe trabalhadora um projeto diferente do ultraliberalismo de terra arrasada com repressão e ditadura, representado pela extrema direita, e do suposto mal menor de uma política de aliança de classe, o qual só tenta, sem sucesso, conter a barbárie.

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Last Update: 03/07/2025