A extrema-direita brasileira mantém força social, mas tem demonstrado baixa capacidade de mobilização nas últimas tentativas de ocupação das ruas convocadas por Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro e em São Paulo. A baixa adesão aos atos, no entanto, não reduziu a intensidade dos ataques à democracia, agora concentrados no parlamento. Hoje, é da Câmara dos Deputados que partem os principais movimentos políticos e institucionais de Bolsonaro com vistas a um retorno ao poder — desta vez com maior controle sobre o Legislativo.
A violência sofrida pelo deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que tem seu mandato ameaçado por uma articulação liderada pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira, é uma das expressões mais evidentes desses ataques parlamentares à democracia.
Nesse cenário, o projeto de lei que concede anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023 revela a dimensão mais profunda dessa ofensiva. É alarmante que o bolsonarismo tenha reunido a assinatura de 260 deputados — mais de 100 de partidos que integram a base do governo Lula — no requerimento de urgência da proposta.
A postura vacilante do atual presidente da Câmara, Hugo Motta, favorece o avanço da medida. Embora o requerimento tenha alcançado o número mínimo de assinaturas, o Regimento Interno da Casa não obriga sua apreciação imediata. Há mais de mil requerimentos de urgência aguardando deliberação, todos com o mesmo número de assinaturas ou mais, e apresentados anteriormente — o que lhes confere precedência sobre o projeto de anistia.
Motta poderia simplesmente arquivar o requerimento, como já ocorreu com outros, e encerrar o assunto. Tal decisão contribuiria para o fortalecimento da democracia e impediria que a extrema-direita continue ditando, de forma desproporcional, a agenda política — como vem ocorrendo neste ano com o tema da anistia.
Em vez disso, o presidente da Câmara tenta se posicionar como mediador, propondo a revisão das penas impostas aos golpistas. O primeiro problema dessa postura é que ela invade atribuições do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), repetindo a lógica que o Congresso tem aplicado em relação ao Executivo nas emendas impositivas.
Mais grave, porém, é o fato de que Motta legitima a narrativa bolsonarista de que não houve tentativa de golpe em 8 de janeiro e de que o STF atua como uma ditadura que persegue inocentes e viola a liberdade de expressão. Ao endossar esse discurso, o deputado paraibano alimenta a retórica extremista e permite que a extrema-direita siga em ofensiva, mesmo com o fracasso das manifestações de 2025.
Nos bastidores, ministros do STF rejeitaram a mediação de Motta, reafirmando que a definição das penas cabe exclusivamente ao Judiciário. A tendência é que a tentativa de pacificação fracasse e o tema continue a pautar a política nacional nas próximas semanas.
De fato, Motta vinha imprimindo um estilo distinto no comando da Câmara: mais diálogo, respeito aos trâmites regimentais, sem atropelos nem pautas surpresa — marca registrada de Lira. Nesta semana, porém, ele não só deu aval à mobilização bolsonarista pela anistia como também se omitiu diante do processo de cassação de Glauber Braga. Bastaria iniciar a ordem do dia para suspender a sessão do Conselho de Ética e interromper o processo, o que representaria, de fato, uma atitude pacificadora.
A principal urgência da conjuntura, para as forças democráticas, é impedir que a extrema-direita continue mobilizando sua base e ditando a pauta por meio do PL da Anistia. O maior risco não é a aprovação da proposta — improvável no Senado e passível de suspensão pelo STF por inconstitucionalidade —, mas sim a sua função como instrumento de mobilização, que mina progressivamente a democracia.
Diante disso, o governo Lula precisa acelerar a pauta da isenção do Imposto de Renda, medida com apoio de 70% da população, segundo o Datafolha. O mesmo levantamento aponta que 76% são favoráveis ao aumento de impostos para os mais ricos. Não é detalhe irrelevante o fato de que Motta designou Arthur Lira — historicamente contrário à taxação dos milionários — como relator da proposta.
A esquerda, por sua vez, deve fortalecer a agenda pelo fim da jornada 6 x 1, também apoiada pela maioria da população e capaz de alterar a correlação de forças no debate político.