O conflito Irã–Israel e a Hegemonia Logística II

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

A Nova Rota da Seda

A Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI), lançada pela China em 2013, é uma rede complexa de rotas terrestres e marítimas projetada para conectar a Ásia, Europa, África e além. Na Eurásia há seis variantes.

Os corredores Terrestres (Economic Belts) são as rotas ferroviárias e rodoviárias que cruzam o continente, conhecidos como os “Corredores Econômicos”. Eles serão o foco desta matéria, deixando os corredores marítimos e digitais para discussões posteriores.

O principal é o Corredor China-Ásia Central-Ásia Ocidental. Ela sai de Xinjiang na China, vai para  o Cazaquistão, dali para o Quirguistão, de lá para Uzbequistão e Turcomenistão, chegando ao Irã. Dali vai para a  Turquia, chegando à Europa. Liga a China ao Mediterrâneo via Turquia, cruzando o Corredor Norte–Sul estudado no capítulo anterior em todas as suas possíveis variantes e cria uma teia logística com o Irã no centro.

A Nova Ponte Terrestre Eurasiática é a segunda variante. Sai de  Xangai, vai para o Cazaquistão, entra na Rússia, dali para a Bielorrússia, atingindo a Polônia, chegando à Alemanha e o restante da Europa. Ela utiliza a ferrovia Transiberiana e rotas alternativas, com uma redução de 12 a 18 dias no tempo de transporte. Essa rota elimina grande parte da conexão com a Rota Norte–Sul, consequentemente, sua abrangência.

A terceira variante é o Corredor China-Mongólia-Rússia. Ela sai do norte da China, atravessa a Mongólia e entra na Rússia, conectando-se à rota marítima do Ártico. Essa rota, aliás, é a prova de que o aquecimento global não prejudica economicamente todos os habitantes da Terra.

O Corredor China-Paquistão começa em Xinjiang (China) e adentra o Paquistão via Karakoram Highway, chegando ao  Porto de Gwadar no Oceano Índico. Sua importância estratégica é dar à China acesso direto ao Oceano Índico, contornando o Estreito de Malaca, que é o campeão da pirataria moderna mundial. Também passa longe das Filipinas com suas dezessete bases militares estadunidenses.

A quinta alternativa é o Corredor Bangladesh-China-Índia-Mianmar. Sai da Província de Yunnan na China, parte para Mianmar, dali para Bangladesh, entrando na Índia e chegando a Calcutá. É o menos desenvolvido devido a tensões regionais, mas visa a integrar o Sudeste Asiático ao Sul da Ásia.

A sexta e última opção digna de nota é o Corredor China-Indochina. Sai do sul da China, mais exatamente de  Kunming e entra no  Vietnã, dali para o Laos, Tailândia, Camboja e chega à Malásia com acesso a Cingapura. Infraestrutura-chave é a Ferrovia China-Laos pronta desde 2021 e futuras ligações com Tailândia e Vietnã.

A primeira alternativa deve ser o foco deste estudo porque é ela que causa o maior impacto geopolítico. Evitando transporte marítimo, ela tira até 70% do tráfego pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez, causando significativo prejuízo a Israel e ao Egito. O tráfego pelos estreitos de Marmara e Dardanelos, que são parte do poder estratégico da Turquia também perderia importância no sentido sul – norte, mas ganharia relevância no sentido norte-sul, haja vista que as mercadoria que passariam pelo corredor vindo do Irã acessariam por ali o Mediterrâneo. O impacto geopolítico seria o abandono da aliança entre Turquia e Otan, levando o país a voltar sua atenção ao Oriente, como já aconteceu no século XVI, depois da derrota da batalha de Lepanto.

A Nova Rota da Seda, no que tange à sua espinha dorsal, tem desafios consideráveis quanto à estrutura ferroviária e aduaneira. A primeira se resolve com a homogeneização das bitolas, que está prevista para 2026. A segunda, chamada de Rota Verde, integra a aduana de todos os países que compõem o trajeto desde a China até a entrada na União Europeia.

Nâo é à toa que essa rota seja objeto de preocupação para o império dos Estados Unidos, pois ela passa ao largo da maioria de suas bases militares e torna muito mais caras as manobras táticas e estratégicas, mas isso fica para o terceiro capítulo. Por enquanto, fica a reflexão de que o mundo é muito maior do que o eixo Europa, américa do Norte, Japão e Coreia do Sul. O mundo está estarrecido com essa descoberta e os conflitos pela sua posse são inevitáveis.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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Last Update: 24/06/2025