por Sara Clem, analista de pesquisa do Instituto Sivis
A democracia brasileira tem sido posta à prova em uma série de episódios recentes. Em 8 de janeiro, completaram-se dois anos do ataque às sedes dos Três Poderes — um fato que revelou a fragilidade dos valores democráticos e um sentimento antissistema em parte da população. Em 2024, surgiram indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro planejou um golpe militar ao final de 2022, demonstrando a disposição de alguns setores do Estado em desrespeitar a soberania popular.
Esses eventos confirmam tendências já apontadas por pesquisas sobre democracia. A pesquisa Valores em Crise, organizado pelo World Values Survey e Instituto Sivis em 2020, realizado pelo World Values Survey e pelo Instituto Sivis, mostra que, embora mais de 75% dos brasileiros declarem preferir a democracia, 82,5% aceitam algum grau de relativização em situações de crise.
Não é apenas a população que se mostra hesitante em relação aos princípios democráticos; parte das instituições também vacila. A forma como foram tratadas as eleições venezuelanas de julho de 2024, por exemplo, ilustra essa ambiguidade: quando um representante do partido que hoje comanda o Executivo legitima a posse fraudulenta de Nicolás Maduro, evidencia-se a flexibilização de critérios democráticos.
A situação se agrava quando se compara a preocupação do governo Lula em rememorar o ataque do 8 de janeiro — interpretado como uma defesa da democracia — com a postura de contemporizar regimes amigos que cerceiam a oposição. Em um sistema efetivamente democrático, não há espaço para essas contradições.
O Democracy Index, que há anos classifica o Brasil como uma “democracia falha”, reforça que o problema é estrutural: atinge parte significativa da sociedade, líderes políticos e instituições. Eleições livres e justas, garantia dos direitos e liberdades civis são preceitos mínimos democráticos. E não podem ser relativizados, não importa se por governos de direita ou de esquerda.