Escrito pelo acadêmico da Universidade de Oxford Felipe Krause, professor e diretor do Programa de Estudos Brasileiros, o artigo intitulado Sul Global precisa reagir a recuo dos EUA, publicado no jornal golpista O Globo, longe de ser uma análise progressista, como pretende, revela-se uma peça de propaganda descarada em favor da ditadura dos monopólios imperialistas — eufemisticamente chamada por Krause de “ordem liberal internacional”. O autor registra, com certo alarme, que a crise do imperialismo, agravada pelo isolacionismo de Donald Trump, coloca em risco essa suposta “estabilidade”.
No entanto, o que ele propõe como orientação para esses “tempos turbulentos” não é que o Brasil aproveite a brecha para se livrar das amarras do domínio estrangeiro e conquistar sua plena soberania. Pelo contrário, Krause defende que o País “aja com firmeza” para preservar justamente o sistema que o oprime há décadas. O cerne da argumentação do acadêmico está expresso no seguinte parágrafo, que merece ser destacado para expor sua essência servil:
“As democracias do Sul Global têm papel crucial — não em desafiar, mas em proteger a ordem liberal internacional. Como economias emergentes com instituições democráticas, podem reforçar as normas que garantem sua segurança e prosperidade. Em vez de se alinhar a regimes autocráticos ou apostar numa multipolaridade vaga e arriscada, países como o Brasil devem usar sua influência para fortalecer o sistema que tem garantido a cooperação e o desenvolvimento globais.”
O que Krause propõe aqui, em termos concretos, é que o Brasil se submeta ainda mais ao jugo do imperialismo, sob o pretexto de “fortalecer o sistema”. Esse mesmo sistema, no caso brasileiro, carrega nas costas uma lista de crimes que desmentem qualquer ilusão de “cooperação” ou “prosperidade”: o golpe de 1964, que instaurou a Ditadura Militar com apoio explícito dos EUA; a devastação da indústria nacional, iniciada nos anos 1980 e intensificada até hoje; os oito anos do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, que entregou o patrimônio público a preço de banana; a operação Lava Jato, golpista e antecipada por Edward Snowden como ferramenta da NSA; o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff; o governo ilegítimo de Michel Temer; a prisão política de Lula e o golpe eleitoral de 2018; e os quatro anos de Jair Bolsonaro, marcados por crimes como a entrega da Base de Alcântara aos EUA, a privatização das águas e da Eletrobras, e o genocídio de mais de 700 mil brasileiros durante a pandemia, resultado do descaso criminoso. Esse é o “sistema” que Krause quer que o Brasil defenda com “firmeza”. A proposta não é apenas absurda: é uma afronta à lógica e à história.
Em um momento de cinismo quase risível, Krause afirma que essa ditadura imperialista “tem garantido a cooperação”. Contudo, ele próprio é forçado a reconhecer, ainda que timidamente, as “imposições do Norte Global”. Vejamos o que ele diz em outro trecho, que também merece destaque:
“A hipocrisia de muitas potências ocidentais era evidente — pregando democracia enquanto apoiavam golpes, defendendo mercados livres enquanto protegiam suas indústrias e promovendo direitos humanos enquanto ignoravam abusos cometidos por aliados.”
Aqui, Krause escancara a contradição de seu próprio argumento. Ele admite a hipocrisia do imperialismo — o mesmo que orquestrou golpes, sabotou economias e fechou os olhos para violações de direitos humanos em nome de seus interesses —, mas ainda assim insiste que o Brasil deve se curvar a essa ordem. Trata-se de uma hipocrisia dentro da hipocrisia: o autor reconhece que a “cooperação” sonhada nunca existiu no mundo real, mas finge que ela é um ideal a ser preservado.
O que existe, de fato, é um regime de força bruta, no qual as potências imperialistas — os EUA à frente — impõem sua dominação e colhem os frutos da “estabilidade” que defendem. Para países como o Brasil, essa estabilidade significa submissão, exploração e atraso.
Krause usa o termo da moda “Sul Global” para se referir às nações de desenvolvimento capitalista atrasado, mas sua proposta para essas nações é de uma subserviência abjeta. Ele está correto ao dizer que o recuo relativo dos EUA abre um espaço de ação, mas erra — ou melhor, mente — ao sugerir que a reação deve ser no sentido de sustentar a ordem imperialista. A lógica inatacável é outra: a crise do imperialismo é uma oportunidade histórica para os povos oprimidos. O Brasil, em particular, deve aprofundar essa crise, rompendo as correntes da ditadura dos monopólios e buscando uma soberania plena e verdadeira. Isso significa retomar a industrialização, barrar as privatizações, garantir que o País nunca mais se curve aos interesses das potências estrangeiras e construir uma economia capaz de se desenvolver e se defender sem interferências externas.
A alternativa de Krause — alinhar-se à Europa ou às “democracias avançadas” para preservar a “ordem baseada em regras” — é uma receita para a perpetuação do atraso. As regras de que ele fala foram escritas para servir o setor monopolista da burguesia dos países desenvolvidos, não aos povos atrasados. A verdadeira prosperidade do Brasil não virá de gestos de subserviência nem de uma fé cega no Direito Internacional moldado pelo imperialismo. Virá da luta pela autodeterminação, da coragem de desafiar a ordem vigente e da construção de um projeto nacional que coloque o povo brasileiro, e não os bancos de Wall Street ou as multinacionais, como protagonista de seu destino.
Felipe Krause, com seu artigo, revela-se um típico intelectual pequeno-burguês: alguém que, desde o conforto de Oxford, prefere polir as botas do opressor a erguer a voz pelos oprimidos. Sua lógica é frágil porque ignora a realidade histórica e os interesses concretos do povo brasileiro. A crise do imperialismo não é uma ameaça a ser contornada com submissão, mas uma chance a ser agarrada com ousadia. O Brasil não precisa “estabilizar” o mundo dos monopólios: precisa se libertar dele.