O cerco à Venezuela e as eleições presidenciais no Brasil, por Gustavo Tapioca

O cerco à Venezuela e as eleições presidenciais no Brasil 

por Gustavo Tapioca 

As bombas no Caribe, a pressão sobre a Venezuela e o realinhamento forçado da América Latina formam um único tabuleiro estratégico: o Project 2025 — plano ultraconservador que tenta recolocar a região sob hegemonia automática de Washington e isolar o Brasil de sua inserção nos BRICS e na nova ordem multipolar. 

A Venezuela é apenas a face visível 

A crise venezuelana não pode ser lida como um episódio isolado. Ela se encaixa no cenário mais amplo do Project 2025, o documento de 920 páginas elaborado por think tanks ultraconservadores que defendem a militarização das fronteiras, o aparelhamento das instituições e a restauração explícita da Doutrina Monroe como princípio orientador para a América Latina. 

Trump negou conhecer o plano. Mas desde o primeiro dia do segundo mandato, executa ponto por ponto suas diretrizes centrais: endurecimento migratório, hostilidade aos BRICS, ampliação de sanções e pressão sobre governos que não se alinham automaticamente aos interesses de Washington. 

É nesse quadro que a Venezuela precisa ser entendida. Ela não é, como repete a leitura rasa e despolitizada do debate público, uma questão de narcotráfico. É energia, petróleo pesado, logística marítima e pressão estratégica sobre o Brasil — o país-chave da região. 

A guerra pela geografia energética 

A Venezuela possui as maiores reservas provadas de petróleo do mundo, maiores que as da Arábia Saudita. E está posicionada no ponto mais sensível do panorama energético das Américas: a fronteira marítima com o Caribe e a poucos dias de navegação da costa leste dos EUA

Controlar a Venezuela significa controlar fluxos marítimos estratégicos; navios-tanque de petróleo pesado; cadeias de abastecimento energético; gargalos logísticos que impactam China, Índia e o BRICS+; e pressão direta sobre o Brasil

É por isso que, em 2024–2025, os EUA elevaram o alerta sobre o espaço aéreo venezuelano, ampliaram operações navais no Caribe e passaram a agir com crescente agressividade — como na série de ataques que deixaram dezenas de pescadores mortos em águas caribenhas sob o pretexto de combate ao “narcoterrorismo”. 

O Caribe se transformou no laboratório operacional da Doutrina Trump 2.0, onde drones, embarcações, helicópteros e mísseis são usados para impor controle marinho e projetar poder sobre o continente. É o campo de testes de uma estratégia maior: cercar a Venezuela para pressionar o Brasil

Os rostos humanos da guerra 

A propaganda oficial fala em “alvos narco”. Mas as reportagens da AP News, The Guardian e New York Times expõem a realidade que Washington tenta ocultar: os mortos são pescadores pobres, trabalhadores informais que sustentavam famílias e comunidades inteiras. Em Trinidad e Tobago, a família de Chad “Charpo” Joseph denunciou: “Não deram devido processo. Essas águas não parecem mais nossas.” Em Saint Vincent, a família de Kenson Charles afirmou: “Ele era pescador. Trabalhou a vida inteira no mar. Não era criminoso.” Em Granada, o pai de um dos pescadores desabafou: “Se fosse traficante, estaria rico. Morreu pobre, porque era trabalhador.” 

Esses testemunhos revelam a verdade crua: execuções extrajudiciais travestidas de guerra ao crime. O Caribe está sendo militarizado para que Washington controle rotas energéticas e pressione a Venezuela — e, por extensão, o Brasil. A guerra não é contra drogas. É contra geopolítica, soberania e multipolaridade. 

O cinturão de pressão 

O movimento é claro. Para reativar sua hegemonia no hemisfério, os EUA montam um cinturão de pressão política, militar e diplomática ao redor da Venezuela — e em direção ao Brasil.  

A Argentina de Milei tornou-se alinhamento automático com Washington. O Paraguai virou ponte diplomática, logística e fiscal dos EUA na região. A Colômbia vive tensão permanente sob nove bases militares norte-americanas instaladas no país. O Equador virou laboratório de securitização, culminando na invasão da embaixada mexicana. O México enfrenta choques diretos com os EUA por imigração e soberania. 

É o mapa de uma recolonização sutil, estratégica e coerente com a lógica do Project 2025 — mesmo que o documento não cite explicitamente nenhum desses países. A ação fala por ele. No núcleo do Project 2025 está a tentativa de reordenar o planeta para garantir a supremacia americana diante da ascensão chinesa. 

Isso exige enfraquecer o BRICS; desarticular investimentos chineses em energia e infraestrutura; reduzir a presença diplomática da Rússia; e submeter a América Latina à influência automática de Washington. A Venezuela é o atrito energético. O Caribe é o campo de teste militar. E o Brasil é o objetivo final. 

Por que o Brasil é o alvo central do Project 2025 

O Brasil é o único país latino-americano capaz de alterar o equilíbrio global de poder. Não apenas pelo tamanho da economia, da população e do território, mas porque é o pivô político do Sul Global, membro-chave do BRICS, destino dos maiores investimentos chineses na região e único país com capacidade real de articulação diplomática independente. 

É por isso que, para Washington, não basta isolar a Venezuela ou capturar Argentina e Paraguai. O objetivo real sempre foi o Brasil. 

E é por isso que a eleição presidencial de 2026 se tornou a mais decisiva desde a redemocratização — capaz de definir se o Brasil seguirá como ator global ou será arrastado para o eixo de submissão do Project 2025. 

Mas o que acontece se a extrema-direita vencer em 2026? 

Se a extrema direita alinhada ao Project 2025 vencer a eleição de 2026, três movimentos ocorrerão de forma imediata e irreversível. 

O primeiro será o abandono do BRICS, encerrando um dos mais importantes projetos de reorganização do sistema internacional fora do eixo Washington–OTAN. Sair do BRICS seria declarar ao mundo que o Brasil desistiu de ser ator soberano no sistema global. 

O segundo será a ruptura com a China, hoje o maior parceiro comercial, investidor tecnológico e financiador de infraestrutura do Brasil. Romper com a China não é apenas destruir exportações: é desmontar cadeias produtivas, paralisar obras logísticas, reduzir competitividade industrial e empurrar o país de volta ao padrão primário-exportador. 

O terceiro será transformar o Brasil em plataforma continental da estratégia de segurança dos EUA: alinhamento automático na OEA, integração das Forças Armadas ao Comando Sul, vigilância intensificada sobre a Amazônia e uso do território brasileiro como corredor de pressão militar contra a Venezuela. 

Esse tripé — saída do BRICS, ruptura com a China, alinhamento militar — não é especulação. É o modelo já implantado em países que capitularam ao cerco geopolítico norte-americano. E seus efeitos seriam devastadores: desindustrialização acelerada; dependência renovada do dólar; retorno ao receituário do FMI; desemprego em massa; desigualdade ampliada. 

A eleição presidência de 2026 é geopolítica, civilizatória e histórica 

Politicamente, se a extrema-direita vencer, significaria a erosão da soberania, o enfraquecimento das instituições e a militarização da vida civil — pilares centrais do próprio Project 2025. O Brasil deixaria de ser um ator independente, perderia autonomia e voltaria a ser peça satélite no tabuleiro imperial. A disputa eleitoral de 2026, portanto, não é apenas eleitoral. É geopolítica, civilizatória e histórica. A queda do Brasil não seria apenas um evento eleitoral — seria um evento geopolítico global. 

O cerco que começa na Venezuela, se desenrola no Caribe e avança pelo continente tem um destino claro: o Brasil. E se a extrema-direita vencer a eleição presidencial de 2026, cai junto o último contrapeso da América Latina ao Project 2025. Cai o eixo multipolar. Cai a política externa soberana. Cai o futuro.

Gustavo Tapioca é jornalista formado pela UFBa e MA pela Universidade de Wisconsin. Ex-diretor de Redação do Jornal da Bahia. Assessor de Comunicação da Telebrás, Oficial de Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do IICA/OEA. Autor de Meninos do Rio Vermelho, publicado pela Fundação Jorge Amado.

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