Ontem (19) completaram-se os cem anos do nascimento de El-Hajj Malik El-Shabazz, mais conhecido como Malcolm X, um dos mais importantes líderes do movimento negro norte-americano. Seus pais eram admiradores de Marcus Garvey e faziam parte da UNIA (Associação Universal para o Melhoramento do Negro), uma expressão confusa, particularmente do ponto de vista ideológico, da luta do povo negro dos EUA.
Devido à atividade política de seus pais, particularmente de seu pai Earl Little, pastor batista e líder de uma sede local da UNIA, a família era visada pelo atuante movimento supremacista branco no Sul dos EUA. Por essa razão, ainda bebê, X se mudou com a família para Milwaukee (no estado norte-americano de Wisconsin) e depois para Lansing, no Michigan, ambos no Norte.
Em setembro de 1931, morreu Earl Little. Segundo a polícia, teria se tratado de um infeliz, mas sangrento, acidente: Earl Little pereceu ao ser atropelado por um bonde na cidade de Lansing, no Michigan. Para X, seu pai foi assassinado por membros do Ku Klux Klan, o mais infame, e maior, grupo supremacista branco atuante em território norte-americano.
Quando Malcolm ainda era um adolescente, sua mãe, que ficara grávida e fora abandonada, foi internada no hospital psiquiátrico Kalamazoo. Seria somente em 1962, vinte e quatro anos depois, que Louise Langdon seria liberada, pela intervenção de seus filhos. Como resultado, X e seus irmãos foram enviados a lares adotivos.
Ainda que tenha sido um estudante brilhante à época do Junior High (equivalente ao Ensino Fundamental do Brasil), Malcolm abandonou a escola e passou a uma existência típica de um elemento marginalizado da sociedade. Preso, em 1946, enquanto buscava do conserto um relógio roubado, foi condenado a uma pena de oito a dez anos na penitenciária estadual de Charleston.
Malcolm já ouvira falar da Nação do Islã (NOI) por seus irmãos, mas a ideia não lhe interessou particularmente até que seu irmão mais novo Reginald, em correspondência, lhe disse que caso não comesse mais porco e não fumasse mais, o mostraria como sair da prisão. Em 1948, em visita, Reginald lhe explicou a doutrina da organização. No fim deste mesmo ano, Malcolm escreveu uma carta endereçada a Elijah Muhammad, que lhe respondeu aconselhando-o a renunciar o seu passado (de crime) e se entregar a Deus.
Integrou-se, então, a NOI, enquanto trocava cartas com Elijah. É nesta época que adota a alcunha de X. Tratava-se de um procedimento padrão, enquanto o verdadeiro nome islâmico não houvesse se revelado, usava-se X ao invés do nome de escravo (era costume que os escravos negros adotassem o nome de família de seus senhores).
Ainda na prisão, em 1950, foi colocado numa lista do FBI, após enviar uma carta a Henry Truman condenando a Guerra da Coreia. Esse evento vale menção, pois demonstra o germe de uma concepção verdadeiramente revolucionária, liberta do ultrassectarismo da NOI, com a qual romperia quatorze anos depois.
Libertado em condicional, em 1952, X rapidamente se tornou uma figura de proa da Nação do Islã. É justamente esse sucesso meteórico, que o faz ser colocado sob vigilância do FBI já em 1953. Quatro anos depois, Malcolm seria apresentado ao público norte-americano.
Na época, um membro da NOI, Hinton Johnson foi espancado pela polícia de Nova Iorque, quando intervira ao ver policiais agredindo um homem negro com cassete. A situação escalou quando X e membros da Nação do Islã foram protestar o ocorrido, cercando a delegacia.
Durante esse período, Malcolm X era um (senão o) grande porta-voz da NOI. E, portanto, defendia as teses da organização, o que significava um grande choque com parte do movimento de direito civis, de Martin Luther King Jr. Se por um lado, King defendia a integração entre brancos e negros, a política da NOI era a de separação entre as diferentes raças. Por outro lado, X condenava o pacifismo do movimento de direitos civis, posição que vai se aprofundar depois do seu rompimento com a Nação do Islã.
Malcolm argumentava que povos oprimidos tinham o direito moral de se defender contra a violência do Estado e das milícias supremacistas brancas, dando declarações como “por todos os meios necessários” e “um homem com um rifle ou um cassete só pode ser detido por alguém que se defenda com um rifle e um cassete”.
Ou seja, a política revolucionária marxista acerca do armamento civil. A questão é particularmente bem explorada em seu discurso “O voto ou a bala”, de 1964, quando já havia rompido com a Nação do Islã.
Em 1960, a pedido de diversos chefes de Estado do nacionalismo africano, X foi convidado a participar da Assembleia das Nações Unida. Foi ali que conheceu figuras como Gamal Abdel Nasser e Fidel Castro, que o convidou a visitar Cuba. É o contato com o movimento revolucionário árabe durante uma peregrinação à Meca e a evolução das lutas coloniais no continente africano, que fará evoluir a consciência de Malcolm em direção a uma consciência revolucionária.
A questão, é claro, se estendia à luta dos palestinos, que conheceu in loco em viagem no ano de 1964. X traçava um paralelo ao que o sionismo fazia na Palestina ocupada com o sofrimento dos negros no EUA de Jim Crow. Como diria em entrevista no mesmo ano:
“O argumento sionista para justificar a ocupação israelense da Palestina árabe não tem base legal ou inteligente… Se os judeus europeus precisavam de uma pátria, deveriam ter ficado na Alemanha em vez de roubar terras árabes.”
Com o aprofundamento da luta (no mundo e nos Estados Unidos) nos anos 1960, o sectarismo exacerbado (Elijah Muhammad, por exemplo, era contrário à formação de uma frente única com o movimento dos direitos civis acerca da questão da igualdade jurídica entre negros e brancos) por um lado, e a inação diante da violência do Estado imperialista norte-americano por outro, da Nação do Islã se tornaram um grande problema para Malcolm, com o rompimento definitivo ocorrendo em 1962.
Fundou, então, a Organização da Unidade Afro-Americana (OAAU), adotando uma postura mais inclusiva, pan-africanista e anti-imperialista. Sua evolução refletiu uma mudança do separatismo racial para o internacionalismo revolucionário, conectando as lutas dos negros nos EUA aos movimentos de libertação global.
Foi aí que Malcolm cruzou uma linha vermelha, tanto para o imperialismo norte-americano, que não podia ver nascer dentro de seu território qualquer movimento revolucionário, quando para o NOI, que na sua guerra sectária contra os brancos faria o serviço sujo do imperialismo assassinando Malcolm X, em 1965. É esse Malcolm X, que deve ser lembrado, um líder do movimento revolucionário dos negros, e simpatizante da luta anti-imperialista em todo o mundo, assassinado prematuramente pela sua concepção revolucionária.