O caso Pix e a necessidade de tomar a dianteira na batalha contra a desinformação
por Sylvia Debossan Moretzsohn
O clima de barata-avoa que se instalou com a repercussão negativa da decisão de se estender às fintechs e outras plataformas digitais de pagamento a obrigação de comunicar as transações via Pix a partir de determinado valor (R$ 5 mil para pessoas físicas) demonstra que nem do lado de cá as informações circulam com consistência. E, com isso, provocam avaliações equivocadas.
A leitura do texto que a Secom publicou no início da tarde de ontem, 15/1, antes de o governo recuar e cancelar a medida, é muito esclarecedora. Mas o governo, mais uma vez, foi surpreendido com uma avalanche de fakes, em especial a produzida pelo deputado Nikolas Ferreira, que distorce o sentido da medida e levanta dúvidas sobre uma futura taxação dessas transações, que afetaria os mais pobres.
(O vídeo do deputado teria alcançado em poucas horas cerca de 200 milhões de visualizações. Nesse ritmo, nem os recém-nascidos ficariam de fora. É de fato um fenômeno, que nos leva a indagar sobre os famosos impulsionamentos de certos conteúdos. Certamente algo a esclarecer).
A jornalista Graça Lago, em seu mural no Facebook, puxa o fio dessa meada: quando a medida foi publicada, o que significava e o que cabe investigar nesse despejo de fakes.
Em 2016, a Rand Corporation publicou estudo sobre o que chamou de “firehose of falsehood”, mirando a estratégia de desinformação russa (mas a carapuça caberia perfeitamente em Trump, então em plena campanha eleitoral, que venceria pela primeira vez do jeito que todo mundo sabe). Nesse estudo, uma das recomendações é de que se tome a dianteira para se prevenir contra a avalanche de falsidades. Outra é a indicação da inutilidade, ou pelo menos da baixa eficácia dos desmentidos (o que envolve a checagem dos fatos), uma vez que a mentira já criou asas. “Não espere combater os jatos de falsidades despejados com mangueira de incêndio com a pistola de água da verdade”.
Então, imagine que o governo, sabendo disso, se antecipasse e anunciasse amplamente uma vigorosa campanha de combate à sonegação, a partir dessa singela medida.
Não seria difícil fazer isso. E teria impacto. Desmontava, ou pelo menos dificultava, a estratégia de propagação de fakes.
Mas o governo precisava saber disso. Será que sabe? Não parece.
O que aconteceu foi grave porque o ano começa com uma derrota fragorosa e evitável, com esse recuo que dá de bandeja à extrema-direita a deixa para avançar na campanha de desestabilização e descrédito do governo: como disse o Nikolas, “se era fake, por que revogou?”.
Foi grave também porque coincide com a troca de comando na Secom.
Pode ser coincidência, mas essa campanha surge na esteira daquele vídeo fake do Haddad falando sobre a cobrança do “imposto do cachorrinho” e outros disparates, que o Osmar Terra divulgou, candidamente espantado, “torcendo” para que não fosse verdade…
Hoje, O Globo publica matéria informando que o vídeo do Nikolas foi parte de “ação coordenada por marqueteiro de Bolsonaro sobre Pix”.
Isto é uma guerra. E não é de hoje. Se não nos prepararmos para ela, nem precisamos ter o trabalho de imaginar o resultado.
Sylvia Debossan Moretzsohn – Jornalista, professora aposentada da UFF, atualmente dedicada principalmente a pesquisas sobre desinformação
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “