Em meio ao Centro-Leste de Florianópolis (SC), pela Avenida Hercílio Luz, eu, meus camaradas e várias outras pessoas – jovens e adultos em sua maioria, de classe média para baixo, e até moradores de rua – estávamos aproveitando o ritmo e a energia do Carnaval. Uma festa que, desde sua criação e suas raízes, possui caráter extremamente popular, onde todas, todos e todes da classe trabalhadora podem festejar e curtir aquele momento da vida, em que os problemas da exploração do trabalho e do capital não invadem nossos pensamentos. Ou, pelo menos, havia de ser assim.

Não bastasse a privatização do Carnaval que ocorre em Florianópolis, a qual coloca essa manifestação popular a venda para empresas, incentivando o desenvolvimento de monopólios em cima da festa, privatizando espaços públicos com a criação de áreas VIPS e camarotes, e dando cada vez mais lucros para as empresas em detrimento da precarização da cultura popular, foi instituído também o toque de recolher das duas horas da madrugada.

Desse modo, sem nenhum aviso prévio, sem qualquer tipo de diálogo com a população do Centro-Leste, a polícia – com seus cassetetes, balas de borracha e gás lacrimogêneo – interveio como um estouro na boêmia local. Em um piscar de olhos, vimos pessoas correndo da avenida desesperadamente. Então, meu camarada olhou para mim, de olhos arregalados, e disse: “corre”.

Assim fizemos. Corremos, corremos e corremos. Ficamos preocupados, pois nosso outro camarada havia ido ao banheiro e sumiu. Felizmente, achamos ele em meio ao tiroteio e voltamos a correr.
Após nos distanciarmos bastante da avenida, nós três olhamos para os policiais, segurando suas armas, mirando e atirando na população a qual supostamente afirmam proteger. O que eles tanto protegem, nem aqui nem na lua é o povo pobre, a classe trabalhadora, mas sim, o Estado burguês. Nosso prefeito Topázio Neto (PSD) e demais políticos reacionários da capital de Santa Catarina não poderiam deixar mais claro sua aversão, seu nojo, seu ódio e seu medo dos trabalhadores, os quais apenas queriam aproveitar sua sexta-feira e o Carnaval. Por serem os covardes que são, se utilizam da polícia – ferramenta do aparato estatal – para reprimir nossa classe. Espancar trabalhadores para ter o que comer, é isso que resume a nossa polícia.

Eu e meus camaradas, quando alguém desconhecido na rua tentou jogar uma pedra nos policiais, tivemos de correr novamente, para ainda mais longe. Quando enfim paramos, sentimos nossos olhos arderem como nunca. Estávamos sob um local infestado de gás lacrimogêneo. Vi meus companheiros passarem mal pelo gás, seus olhos e os meus cheios de lágrimas. Um de meus camaradas, o qual já não estava bem, acabou por vomitar.
Após todos os terrores que passamos, descansamos um pouco numa área onde maior parte dos “fugitivos” foram parar, ainda que com receio de a polícia aparecer a qualquer momento. Eventualmente, caminhamos até o terminal de ônibus e – tristes, derrotados e frustrados – esperamos nosso transporte para voltar para casa.

Deixo meu relato aqui como forma de deixar muito bem estabelecido o que os capitalistas, os políticos da democracia burguesa e as elites pensam de nós. Para eles, somos lixo.Por um lado, sente-se a raiva e a tristeza pela incapacidade de fazer algo, de intervir de algum jeito nessas situações de violência para com os nossos. Por outro lado, são justamente essas situações cruéis e injustas que alimentam nosso ódio de classe, nossa consciência política, nossa necessidade mais urgente do que nunca de subversão, de revolução.

O capitalismo é uma maçã já apodrecida há séculos, e de nenhum outro modo alcançaremos a plena liberdade e democracia proletária a não ser pela organização do povo, pela revolução socialista e por uma sociedade governada por Conselhos de Trabalhadores, se gerindo por conta própria em todos os aspectos.

Dizemos que essa medida – o toque de recolher – pode e deve ser criticada como uma expressão da criminalização da pobreza e da juventude, além de reforçar uma política de controle social que prioriza os interesses das elites em detrimento dos direitos e da liberdade da classe trabalhadora.

Enxergamos o toque de recolher como uma medida autoritária que não resolve os problemas estruturais da violência e da segurança pública. Em vez de investir em políticas de repressão e controle, o Estado deveria garantir condições dignas de vida, lazer e cultura para todos, combatendo as raízes da desigualdade social que alimentam a violência. A criminalização das festas de rua, frequentemente organizadas pela população mais pobre, é mais um exemplo de como o sistema penal e as forças de segurança são utilizadas para segregar e oprimir os setores marginalizados.

Além disso, a violência policial contra quem está festejando é uma prática repugnante e antidemocrática. É preciso denunciar a brutalidade das forças de segurança, que agem com impunidade e reforçam um Estado policialesco, servindo aos interesses do capital e da manutenção da ordem burguesa. A verdadeira segurança pública só pode ser alcançada com a transformação radical da sociedade, onde os trabalhadores tenham o controle sobre os meios de produção e as decisões políticas, eliminando as bases materiais que geram violência e opressão.

Essa realidade de repressão e violência não se limita a Florianópolis. Na Bahia, a política militarizada resultou em agressões covardes contra pessoas que estavam no show do BaianaSystem, um evento cultural que deveria ser sinônimo de celebração e alegria. Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a violência policial atingiu níveis ainda mais alarmantes, com o caso de uma militante do PCBR, mulher negra e trans, que foi brutalmente espancada pela PM e levada à delegacia sob a acusação de “desacato”. Esses episódios não são isolados, são parte de um sistema que criminaliza a pobreza, a negritude, a população LGBTQIA+ e os movimentos sociais, utilizando a força bruta para silenciar qualquer forma de resistência.

Portanto, o toque de recolher e a repressão às festas de rua são medidas que refletem a incapacidade do Estado capitalista de oferecer soluções reais para os problemas sociais. Defendemos a organização independente da classe trabalhadora e a luta por uma sociedade socialista, onde o direito à festa, à cultura e à liberdade sejam garantidos a todos, sem repressão ou violência. Enquanto houver um Estado que serve aos interesses das elites e não ao povo, continuaremos a ver cenas de barbárie como as ocorridas em Florianópolis, Bahia e Porto Alegre. A luta contra a violência policial e a opressão é inseparável da luta por uma transformação social profunda e revolucionária.

 

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Last Update: 04/03/2025