
Por Lorenzo Poli
De Pressenza
Antonio Lupo é membro da Médicos pelo Ambiente – ISDE e do Comitato Amigos Sem Terra Italia (Comitê de Amigos do MST na Itália). Em sua longa trajetória profissional, o oncologista e hematologista foi médico-chefe do Hospital Niguarda de Milão. Ambientalista, atua há muitos anos na Via Campesina, uma das maiores organizações camponesas e ambientalistas do Sul Global, com mais de 200 milhões de agricultores.
Em entrevista concedida a Lorenzo Poli, do Pressenza, Lupo abordou temas sensíveis para as famílias camponesas do Brasil. “Apesar da grande destruição causada pelo colonialismo desde o início até hoje e dos fortes efeitos do aquecimento global, o Brasil ainda possui uma enorme riqueza natural” afirma o ambientalista.
Confira trechos da entrevista:
Lorenzo Poli: Apesar do fim de Bolsonaro e da vitória de Lula há dois anos, como você vê o Brasil hoje?
A situação no Brasil é difícil e complexa. O Brasil é um país enorme, com 850 milhões de hectares, 27 vezes maior que a Itália, com uma população relativamente pequena, 203 milhões (censo de 2022), e com uma urbanização muito forte de 87,6% (2022). Nas megalópoles, as favelas (que não são subúrbios!) dobraram – de 2010 a 2022 – de 6 mil para 12 mil, e no mesmo período os habitantes de 6 para mais de 12 milhões. Nos dois primeiros anos do governo Lula, a insegurança alimentar grave, que afetava 17,2 milhões de brasileiros em 2022, caiu para 2,5 milhões, de 8% para 1,2% da população. O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Wellington Dias, disse que a renda melhorou: “A renda de todas as pessoas cresceu 11,5% e a renda dos mais pobres cresceu 38,6%”. A população ativa é de 108 milhões de pessoas, sendo 43,5% do sexo feminino (dados de 2023 do Calendário Atlante De Agostini 2025), mas o cientista político Valério Arcary lembrou que “há 38 milhões de empregos regulares, mesmo que a grande maioria deles sejam empregos mal remunerados. Mas, ao mesmo tempo, estamos testemunhando uma expansão da informalidade. Já temos pelo menos 40 milhões de pessoas trabalhando no setor informal.”Apesar da grande destruição causada pelo colonialismo desde o início até hoje e dos fortes efeitos do aquecimento global, o Brasil ainda possui uma enorme riqueza natural, não apenas na Amazônia. Certamente desempenha um papel fundamental na América Latina no setor industrial, especialmente em 3 setores: mineração, manufatura e serviços agroindustriais. O país explora minerais como ferro, ouro, prata, petróleo, carvão, estanho e diamantes. As maiores empresas de mineração do país – Anglo American, Vale e Alcoa – são todas empresas privadas e multinacionais. A única indústria ainda estatal é a Petrobras, que pretende ser um centro de combustíveis fósseis para toda a América Latina, mas o Brasil (assim como a África) é alvo do extrativismo mineral e agrícola de todas as grandes potências, incluindo as do BRICS, principalmente a China.
LP: O modelo BRICS é com certeza uma alternativa ao unipolarismo atlantista liderado pelos EUA, mas é baseado na exportação de matérias-primas em vez da importação de tecnologia. Esta é realmente uma solução para o modelo capitalista e extrativista?
O nascimento do BRICS remonta a 2010, quando a África do Sul se juntou ao Grupo BRIC (China, Rússia, Índia e Brasil), que se expandiu em 2024 para incluir vários países – Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em 1º de janeiro de 2025, mais nove países – Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão – tornaram-se parceiros aguardando a admissão final. Mais quatro países – Argélia, Nigéria, Vietnã e Turquia – foram convidados a aderir. Eles representam aproximadamente 4 bilhões de habitantes, ou seja, metade da população do planeta, em um território de 40 milhões de quilômetros quadrados. Os BRICS atualmente respondem por 41,4% do PIB global, 37% do comércio global e 40% da produção global de petróleo. Eles certamente não são países anticapitalistas, soberanistas ou antiglobalização: a maioria deles tem um forte extrativismo de matérias-primas minerais (petróleo, gás, metais, minerais etc.) e de matérias-primas agrícolas que exportam, mas isso não exclui que alguns deles tenham uma forte insegurança alimentar. Por exemplo, a Índia, o país com a maior população do mundo, ficou em 111º lugar entre 125 países no Índice Global da Fome (GHI) de 2023 e em último lugar no ranking mundial de desnutrição “aguda” entre crianças: a taxa é de 18,7%. É impossível defini-los como “países democráticos”, basta pensar na persistência das castas e na caça aos muçulmanos pelo governo hindu-nacionalista de Modi, no regime de Al-Sisi no Egito ou nela teocracia no Irã. E mesmo do ponto de vista de alianças políticas, nem todos os países BRICS são anti-EUA, mas concordam apenas com o multipolarismo: isto é, tentar afrouxar o jugo do monopólio do dólar sobre os mercados e as finanças, que, mais ou menos, continuam sofrendo.
LP: Lula é certamente um anticorpo ao fascismo e ao imperialismo norte-americano na região, mas ele não tem uma cultura camponesa e nós vemos isso em suas posições sobre os acordos de livre comércio entre a UE e o Mercosul. O que está acontecendo?
Lula (presidente de 2002 até o final de 2010 e de 2023 até o presente) foi metalúrgico, sindicalista e um dos fundadores do PT (Partido dos Trabalhadores) em 1982. Sempre morou na cidade, mas era sensível aos problemas da fome da população e à realidade da produção agrícola: um de seus primeiros atos como presidente foi o maravilhoso programa “FOME ZERO”, que foi apresentar na ONU. Em maio de 2010, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas concedeu a Lula da Silva o título de “campeão mundial na luta contra a fome” « Qual é o balanço social de Lula? » – O Mundo Diplomático em Espanhol. O Movimento Sem Terra apoiou Lula, mas não obteve grandes resultados para a Reforma Agrária. Menos sensível ainda aos problemas da agricultura familiar foi certamente a próxima presidente, Dilma Rousseff, também do PT, que foi deposta em um golpe em 2016. As negociações entre a UE e o bloco comercial do Mercosul (que inclui Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) começaram em 2000 e foram concluídas em dezembro de 2024, também assinadas por Milei, o presidente fascista e anarcocapitalista “trumpiano” da Argentina. O acordo do Mercosul é contestado por movimentos populares na América Latina, incluindo o MST, por alguns estados europeus, que temem a exportação do agronegócio brasileiro (carne bovina, etc.), mas também pela Via Campesina Europeia, o movimento ecológico de pequenos agricultores europeus que faz parte da Via Campesina Internacional, o grande movimento global de 200 milhões de pequenos agricultores. Alguns governos europeus, como o da França, se opõem ao Mercosul por protecionismo, a Itália de Meloni é ambígua, pensando em promover produtos feitos na Itália, mas os pequenos agricultores sabem bem que o Mercosul é uma vitória do agronegócio e da grande distribuição, que estrangula os pequenos agricultores, como o Parlamento Europeu e sua política vêm fazendo há muitos anos, com a PAC, que financia 80% dos grandes produtores, do agronegócio e obedece aos produtores europeus de agrotóxicos. Lula provavelmente assinou também para buscar apoio na Europa e escapar parcialmente do domínio dos EUA, que apoiaram o golpe e o governo do fascista Bolsonaro, mas isso não reverte a expansão do agronegócio no Brasil e em toda a América Latina. Devemos ter em mente que no Brasil Lula é presidente, mas a maioria dos dois Parlamentos ainda é de centro e direita neoliberal. No atual governo Lula, há um ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, ex-pecuarista, que sempre esteve ligado ao agronegócio, enquanto Paulo Teixeira é ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e é do PT. Para concluir um caos enorme!
LP: Embora Lula tenha anunciado a redução do desmatamento e políticas ambientais sérias, infelizmente o Pré-Sal continua existindo e a Amazônia continua sendo devastada para dar lugar a monoculturas intensivas nas mãos de multinacionais que determinar o uso intensivo de pesticidas (incluindo o glifosato), pecuaria intensiva, emissões de gases de efeito estufa, resistência aos medicamentos para produtos fitofarmacêuticos aos quais a Natureza inevitavelmente reage. Qual é a situação hoje?
O desmatamento na Amazônia nestes 2 anos de governo Lula, com o objetivo de “desmatamento zero até 2030”, para, entre outras coisas, “estocar” 6 bilhões de toneladas de CO2 (uma fatia maior que as emissões anuais dos Estados Unidos) diminuiu 30,6% em relação a 2023 e 45,7% em relação a 2022, no Pantanal em 77,2 e no Cerrado em 48,4% em 2023 em relação a 2024. O verdadeiro desafio, para o Brasil que coloca o meio ambiente no centro, estará então em conciliar os objetivos de conservação com os planos decenais de “reindustrialização” do país. Recentemente, surgiram protestos entre comunidades indígenas do Mato Grosso e do Pará contra a construção da ferrovia EF-170 ou “Ferrogrão” (também chamada de “ferrovia da soja”, devido ao uso comercial a que se destinam os quase mil quilômetros de infraestrutura), que deverá destruir 25.000 hectares de floresta tropical entre as bacias do Xingu e do Tapajós. Os problemas mais graves e importantes são a seca, os incêndios, 98% dos quais são provocados por pecuaristas para desmatar florestas, e a degradação, que já afeta uma área três vezes maior do que a afetada pelo desmatamento. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina. A pecuária intensiva e os matadouros industriais também são responsáveis por mais de 80% do desmatamento em seu território. O WWF afirma que um quinto (17%) da carne bovina importada do Brasil para a União Europeia está ligada ao desmatamento ilegal. Com mais de 1 milhão de toneladas, a Itália é o maior importador europeu de carne bovina do Brasil, também usada para fazer produtos como a Bresaola della Valtellina IGP. No Brasil as principais fontes de energia são: energia hidrelétrica, petróleo, carvão e biocombustíveis, além de outras fontes utilizadas em menor escala, como gás natural e energia nuclear. Energia hidráulica. 75% da energia elétrica produzida no Brasil vem de usinas hidrelétricas, que representam 42% da matriz energética brasileira. O pré-sal é outro grande problema. A Petrobras descobriu o Pré-Sal em 2006, o que abriu um novo capítulo na história energética do Brasil, tornando-o um dos maiores produtores de petróleo do mundo. O Pré-Sal atingiu 81% de participação na produção nacional de petróleo em setembro de 2024, com recorde de 3,6 milhões de barris produzidos por dia. Mas onde está o Pré-Sal? A área foi definida por um polígono de 149 mil km², entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo, que inclui grande parte das bacias de Santos e Campos, as maiores bacias produtivas do país. O campo de petróleo está localizado em águas muito profundas, até 7 mil metros abaixo da superfície. Evidentemente o Pré-Sal é uma violência horrível ao mar e aos oceanos, que são 70% da superfície do globo, que absorvem gases de efeito estufa junto com o fitoplâncton, contrastante o aquecimento global de origem antrópica, ou seja, eles são os verdadeiros donos do Planeta, juntamente com a atmosfera. Lula sempre foi favorável ao Pré-Sal, como motor do desenvolvimento do Brasil e da América Latina, e no ano passado também se declarou favorável à extração na costa da Amazônia, no litoral do estado do Amapá, em contraste com a posição de Marina Silva e do Ministério do Meio Ambiente, que manifestaram “preocupação” com os possíveis riscos ambientais.