
O bom filho à casa torna, tá okey?
por Fernando Castilho
Acho que todo mundo conhece aquele parente ou amigo que vive dizendo que “mudou”. Anda na linha por uns dias, posta frases motivacionais no Instagram, até começa a usar camisa social. Mas basta uma brisa de tentação e lá está ele, escorregando de volta para o velho hábito — como um vício do qual simplesmente não consegue se livrar.
O governador Tarcísio de Freitas parece ser exatamente esse tipo. Ganhou o governo de São Paulo como quem recebe um troféu de participação por lealdade canina. E não demorou para virar o queridinho da Faria Lima e da grande imprensa. Privatizou uma estatal lucrativa e, pronto, virou o “Bolsonaro moderado” que a mídia tanto desejou por anos como terceira via.
Mas o roteiro desandou quando o diabinho da tentação resolveu dar as caras. Bastou uma visita à prisão domiciliar do padrinho para que Tarcísio lembrasse quem manda no playground. A conversa, segundo os bastidores, foi direta como tapa de luva:
— Não se esqueça quem te colocou no governo de São Paulo, Tarcísio. A menos que queira ver alguns segredos do seu tempo como ministro estampados por aí, é bom lembrar quem manda, tá okey?
Tarcísio ainda tentou argumentar:
— Mas capitão, eu prometo que, se eleito presidente, meu primeiro ato é dar um indulto ao senhor.
— É, mas no tocante a isso daí eu quero que você seja como eu: que dê seus coices no Alexandre de Moraes e desafie o STF. Eu não vou esperar indulto nenhum, até porque vão dizer que é inconstitucional. Prefiro que tudo seja destruído antes.
— Entendi, capitão. Então é pra eu ser igual ao senhor, tá okey? No tocante a isso daí pode deixar comigo — respondeu Tarcísio.
E foi assim que, num passe de mágica (ou chantagem), Tarcísio trocou o afago da imprensa pela devoção radioativa ao bolsonarismo raiz. O apoio da Faria Lima ele não perderá. Um movimento ousado, digno de quem joga xadrez com dinamite.
Agora resta saber se esse sacrifício vai render dividendos — ou só prejuízo reputacional. Porque, sejamos francos, a história já mostrou que fidelidade a um mito em queda é como pular de paraquedas sem verificar se ele está dobrado: a queda é certa, o impacto é seu.
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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