Em 2016, os biólogos Aviv Regev e Sarah Teichmann e mais cem outros cientistas iniciaram um projeto para catalogar todos os tipos de células do corpo humano, desde a fase de embrião até a velhice.

Isto equivale a mapear 37,2 trilhões de células. A tarefa é muito complexa porque as células mudam continuamente como resultado de fatores como ancestralidade, geografia, fatores ambientais, gênero e idade – ou seja, a vida não para.

Atualmente, já existem dados sobre cerca de 62 milhões de células humanas, incluindo as do sistema nervoso, pulmões, coração, intestino e sistema imunológico, configurando a primeira parte do Atlas das Células Humanas.

Esse atlas vai ajudar a entender melhor o funcionamento do corpo na saúde e na doença.

As células formam os tecidos e os tecidos formam os órgãos. Todos esses componentes trabalham em cooperação e interdependência. Se um deles, por menor que seja, se desarmoniza, a doença se instala, tornando inviável a sobrevivência do organismo. Nesse caso, todos perdem.

De maneira análoga, observando-se o funcionamento da sociedade, criou-se a terminologia “tecido social”. Esse tecido é formado pela interação entre valores individuais, como respeito, bondade, compaixão, confiança, empatia etc., que orientam nosso pensamento e comportamento em sociedade.

Segundo o economista Nigel Cohen, professor da Universidade de Roma, temos tantos valores porque vivemos entre pessoas diferentes, de maneiras diferentes.

Assim como a interação harmônica entre os trilhões de células em nosso corpo é o que torna nossa vida possível, o respeito pelo outro e a convivência com a diversidade são condições básicas para a sobrevivência da sociedade.

Os valores de cada comunidade envolvem intrinsecamente cada um de seus membros, entrelaçando-se com os de todas as outras comunidades, formando assim o tecido social. “O caráter de uma nação é moldado pela natureza coesa e adaptável do tecido social do qual é composta”, diz o professor Cohen.

“A qualidade do tecido social”, prossegue ele, “determina a eficácia com que a sociedade é capaz de organizar seu povo para alcançar uma prosperidade inclusiva e sustentável. Divisões e rivalidades podem impedir a sociedade de alcançar seus objetivos. A chave para criar um tecido social mais forte e coeso não está no estabelecimento de valores rígidos e inflexíveis, mas sim na convivência harmônica com a diversidade, a liberdade e o respeito mútuo.”

A comunidade acadêmica mundial parece estar atenta a essa ideia. Um estudo que se baseia na análise dos impactos dos modelos de colonização europeia a partir do século XVI rendeu o Prêmio ­Nobel de Economia de 2024 aos economistas ­Daron Acemoglu, da Turquia, ­Simon Johnson, dos Estados Unidos, e James A. Robinson, do Reino Unido.

Os três autores, no livro Por Que as Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza (Intrínseca, 592 págs., 139,90 reais), identificam dois modelos principais de colonização.

O primeiro baseou-se no extrativismo e na escravização dos povos dominados. O segundo constituiu-se, predominantemente, de imigrantes europeus que se estabeleciam na nova colônia e, a partir de uma visão de cooperação entre os colonos, criavam instituições mais sólidas que respeitavam as liberdades fundamentais.

Apesar de os países colonizados com espírito extrativista e escravagista serem inicialmente os mais ricos, devido à abundância de recursos naturais e à mão de obra escrava, com o passar do tempo observou-se a inversão dessa riqueza.

Onde havia mais respeito ao direito e à liberdade e onde imperou a cooperação houve maior crescimento e a geração de riqueza e bem-estar perdura até os dias atuais.

“A introdução de ações inclusivas criaria benefícios de longo prazo para todos, mas as instituições extrativistas fornecem ganhos de curto prazo apenas para a minoria dominante, gerando miséria e estagnação a longo prazo para todos”, explicam os pesquisadores.

Não é interessante que possamos aprender com as nossas células a trabalhar em conjunto para o bem-estar comum? •

Publicado na edição n° 1344 de CartaCapital, em 15 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O bem-estar comum’

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 09/01/2025