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O Batismo do Brasil

por Jorge Arbache

Publicação de 8 de julho de 2025

Ao longo de sua história, o Brasil cultivou com zelo sua imagem de país pacífico, distante dos grandes conflitos geopolíticos. Desde o século XX, a diplomacia brasileira se notabilizou por posturas previsíveis: não intervenção, neutralidade, preferência por soluções multilaterais e pacíficas. A própria geografia ajudava: afastado dos grandes centros de poder e de confronto – Washington, Moscou, Pequim, Bruxelas –, o Brasil pôde exercer uma diplomacia discreta, sem pressões existenciais.

Esse posicionamento rendeu dividendos simbólicos. O Brasil foi, por muito tempo, visto como uma ponte entre o Norte e o Sul globais, como uma voz respeitada na diplomacia internacional, mesmo sem integrar os círculos centrais do poder. Mas o mundo mudou – e o Brasil mudou junto, mesmo que ainda não tenha percebido.

Hoje, o país se vê inserido em diversas frentes estratégicas: é uma potência agroambiental, energética e de biodiversidade; é um dos maiores produtores de alimentos e energia do planeta; lidera temas fundamentais da agenda climática; abriga a maior floresta tropical do mundo, as maiores reservas de água doce e o maior estoque de capital natural. Possui, ainda, reservas relevantes de minerais críticos e terras raras, cada vez mais disputadas no contexto da transição energética, uma matriz elétrica já praticamente verde e um imenso potencial para investimentos internacionais em powershoring. Preside o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), motor do BRICS e defensor de uma ordem financeira multipolar, e o BID. Desenvolveu inovações institucionais, como o sistema de pagamentos PIX, e avança com regulações que incomodam big techs globais.

Tudo isso, somado, torna o Brasil um ator inevitável em debates geoeconômicos e geopolíticos contemporâneos. O problema é que seguimos agindo como se ainda estivéssemos isentos dessa engrenagem. Como se fosse possível manter o papel de observador neutro, enquanto as placas tectônicas do mundo se movem sob nossos pés.

O episódio recente das tarifas unilaterais impostas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros – acompanhadas de uma abertura de investigação comercial em setores estratégicos como etanol, meios de pagamentos, comércio digital, desmatamento, dentre outros – representa um marco. É o momento em que o Brasil é arrancado de sua zona de conforto. O batismo geopolítico do país não é mais uma hipótese futura: está acontecendo, à força.

Esse “batismo” não é um castigo. É um reconhecimento de relevância. Significa que o Brasil importa – e por isso será pressionado, cobrado, desafiado. Não se trata mais de escolha. O Brasil está no jogo, quer goste ou não. E precisa se preparar para isso com seriedade.

A realidade, porém, é que carecemos de pensamento estratégico. Discutimos pouco os rumos do país no tabuleiro global. Nossas elites, em geral, ainda olham para dentro, e a construção de capacidades em diplomacia econômica, segurança, defesa tecnológica ou política externa segue tímida. São escassos os think tanks, fóruns, redes de inteligência estratégica que pensem o Brasil do século XXI em termos de inserção geopolítica.

Mas não há mais tempo para hesitações. O desenvolvimento exige escolhas. E toda escolha carrega custos. O país que queremos ser – protagonista, soberano, respeitado – não será alcançado com neutralidade passiva ou com uma política externa genérica e reativa.

Estamos sendo convocados à maturidade. Como na velha metáfora, não se faz omelete sem quebrar os ovos. E já começamos a quebrá-los.

Jorge Arbache – Professor of Economics, analyst, writer, speaker, and business columnist specializing in Latin America and the Caribbean.

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Last Update: 18/07/2025