Perguntem a um macaco amestrado da Pensilvânia, com todo o respeito pelos macacos, por que Donald Trump é o facínora que vai virar herói. Façam a mesma pergunta sobre o que levou Jair Bolsonaro a anunciar, logo depois do atentado, que irá à posse de Trump.
O macaco vai dar a mesma resposta às duas perguntas: as coisas acontecem porque os dois andam por aí e têm a certeza de que continuarão livres e soltos. Se já tivesse sido contido, Trump não estaria onde estava e não teria a orelha furada por um tiro.
Se já estivesse preso, Bolsonaro não diria que irá à posse do fascista americano. Bolsonaro está com o passaporte retido, por decisão da Justiça, mas manda o recado: se está solto, poderá dar um jeito mais adiante.
Se não der um jeito, o recado terá a mesma serventia de um blefe que fideliza e atiça sua claque contra o Supremo. É preciso dizer à base que ele acredita na possibilidade de dobrar a Justiça e estar na imaginada posse de Trump.
A tentativa de fraudar a apuração da eleição e a incitação à invasão do Capitólio completam mais de três anos e meio. A invasão de Brasília tem um ano e meio, mas todos os crimes de Bolsonaro vêm de muito antes.
Nos Estados Unidos, prenderam e condenaram Jacob Chansley, o homem dos chifres, que invadiu o Congresso no dia 6 de janeiro de 2021. No Brasil, prenderam e condenaram Antônio Cláudio Alves Ferreira, o homem que destruiu o relógio no Palácio do Planalto na invasão de 8 de janeiro de 2023.
Prenderam só os manés das invasões, nos Estados Unidos e aqui, porque o sistema de Justiça é incapaz, lá e cá, de ter com os manezões a mesma bravura, a mesma presteza e a mesma agilidade.
Temos, numa comparação possível, a vantagem de contar com um Alexandre de Moraes. A alta Corte deles não tem um Moraes e já anunciou que irá recuar, em suas decisões supremas, e garantir as imunidades de Trump nas falas e ações como golpista em 2020 e 2021. Abriram a porteira para que escape das acusações mais graves.
Voltando aos manés, só sabemos os nomes de Chansley e de Ferreira porque o Google nos socorre. Ninguém sabe os nomes dos patriotas americanos e brasileiros comuns que afrontaram as instituições, e Chansley só ficou conhecido por causa das guampas.
Mas sabemos os nomes de todos os grandes impunes lá e cá. Sabemos, como o macaco amestrado sabe, que Trump e Bolsonaro tentaram liderar um golpe. O macaco sabe o que estava na capa do The New York Times online, nesse sábado, momentos antes da notícia do atentado.
Estava lá e lá ficou, depois dos tiros, uma reportagem com o alerta de que os republicanos preparam de novo a disseminação do caos, se perderem mais uma vez a eleição.
É um plano, revela o NYT, que mobiliza alas organizadas do partido, para que desta vez o golpe corrija seus erros e funcione. Era uma das notícias em destaque no jornal, até os tiros virarem manchete.
No Brasil, o Estadão estampou ainda na noite de sábado, pouco abaixo da manchete, essa chamada: “Lula, Bolsonaro e líderes internacionais condenam atentado a Trump”.
O inelegível, o chefe do golpe, dos arapongas da Abin e dos muambeiros, foi colocado entre Lula e os líderes mundiais, como se fossem equivalentes, para legitimar a indignação provocada pelo atentado. O Estadão precisa ficar bem com o fascismo.
Para completar, chargistas que devem se achar de esquerda tiveram a mesma ideia do humor preguiçoso e raso e produziram memes e caricaturas em que Trump virou Van Gogh sem a orelha.
O bandido das trevas foi equiparado ao mágico das luzes, um dos gênios da humanidade, no retrato do próprio tormento. A extrema direita se divertiu com a charge grotesca disseminada pelas redes como tentativa de debochar de um bandido.
Por que essa liberdade para criar se manifesta em momentos como esse de uma forma irracional? Porque fascistas e certos humoristas têm a certeza de que são beneficiários da liberdade absoluta para fazer o que bem entendem. É o que eles têm em comum.
Não vamos nos surpreender se, mais adiante, na próxima surpresa produzida pela extrema direita antes de uma eleição, alguém comparar Bolsonaro a Aleijadinho. O século 21 já é a nossa segunda Idade Média.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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