O Articulismo Reacionário das “Coisas”, por Henrique Morrone

O Articulismo Reacionário das “Coisas”

por Henrique Morrone

Adroaldo não é uma pessoa; é um método.
Sua especialidade não é iluminar o real, mas reenquadrá-lo. Possui o dom de fazer o mundo caber em explicações já prontas, como se cada fato fosse apenas nota de rodapé de uma tese antiga. Não interpreta — confirma.

Sua disciplina intelectual é a repetição.
Abre o jornal, examina o PIB, observa a inflação, rastreia o câmbio e conclui exatamente o que concluiu na semana anterior. Não importa o evento, o choque externo, a inovação tecnológica ou a política adotada: tudo retorna ao mesmo ponto imóvel — o paternalismo nacional, esse fantasma que, para ele, organiza a narrativa desde sempre.

Nesse enredo, o paternalismo surge envolto em plumas coloridas, prometendo benesses difusas ao longo do tecido social. Mas seus efeitos, dirá Adroaldo, são invariavelmente contraproducentes: auxiliar os pobres aumenta a pobreza; política industrial destrói a indústria; proteção social corrói a sociedade. A origem de todos os males estaria na Constituição de 1988 — embora ele não a nomeie, para não expor sua aversão ao social.

Adroaldo lê o país como quem consulta um manual: não há presente, apenas restauração. Seu pensamento funciona como relógio de ponteiro quebrado — marca horas, mas não indica tempo.
A convicção lhe poupa conflito, dispensa dúvidas e afasta fissuras. O mundo lhe agrada quando não exige interpretação, apenas repetição da causa única. O déficit? Paternalismo. O desenvolvimento truncado? Paternalismo. Não é preciso alongar músculo argumentativo: o diagnóstico, imutável, por isso toma a forma de ciência.

O articulismo de Adroaldo vive de colunas, mas não produz luz; produz retorno.
A cada semana, descreve o mesmo país: o país que jamais cresce porque jamais amadurece; o país que fracassa porque foi protegido; o país que não decola porque recebeu cuidado — como se cuidado fosse anestesia, e não estrutura.

Suas certezas são tão lisas que parecem óbvias. E é nesse ponto que reside o perigo: o óbvio não pensa, apenas organiza conforto — um conforto ideológico e editorial. Para ele, o passado não é referência; é destino. A saída, portanto, não é projetar o futuro, mas negar o passado pela sua versão mais vertical: a liberdade encapsulada no ente-mercado.

Adroaldo é a figura perfeita do articulismo reacionário das “coisas”:
não examina o agora; reencena o antes para garantir o depois.
Não interpreta o país; restaura a estrutura que o convém.
Não apenas conserva — regressa.

Assim, o Brasil diminui porque cabe inteiro no tamanho de suas explicações.

Henrique Morrone é Economista e Professor Associado da UFRGS.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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