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A caixa de ferramentas do Banco Central
por Luís de Souza
Um debate público intenso tem rodeado a taxa de juros no país. A necessidade e conveniência desses níveis altos são questionadas, com motivações políticas e favorecimentos também sendo atribuídas. Sem analisar a pertinência desses argumentos, vamos explorar outros aspectos do tema. Podemos partir da necessidade de conciliar controle da inflação com elevação dos investimentos para manter um ritmo de crescimento que nos permita alcançar a qualidade de vida dos países mais desenvolvidos.
O Plano Real, embora tenha obtido sucesso em reverter um descontrole inflacionário de cerca de quinze anos, instituiu um regime de política macroeconômica que mantém a economia “travada”, o que pode ser chamado de semi-estagnação. No período de 1996 a 2023, o crescimento real médio do PIB per capita do Brasil foi de 1,2% a.a., pouco acima da metade do crescimento do mundo.
A narrativa do Banco Central e dos operadores do setor financeiro é de que não há alternativas. O Conselho Monetário Nacional definiria as metas para inflação, que precisam ser baixas para mitigar perdas de poder de compra que penalizam muito mais os segmentos de mais baixa renda. A autoridade monetária teria como mandato principal a manutenção da inflação dentro dessas metas.
Existem fundamentos para os riscos de um endividamento público explosivo. Com a dívida pública crescendo rapidamente, além do PIB, deve-se considerar as dificuldades de sua rolagem, eventual moratória política, busca de redução desses ativos no portfólio dos detentores, causando aumento de crédito ao setor privado pelos bancos, substituição por outros ativos pelos portfólios domésticos e fugas de capitais pelas carteiras globalizadas.
Os modelos econômicos utilizados enrijecem excessivamente horizontes de longo prazo, mas mudanças estruturais, de diversas magnitudes, vão ocorrendo, alterando oportunidades e trajetórias esperadas inicialmente. Por exemplo, um surto de crescimento favoreceria a aceitação de um endividamento público maior, mas não tendo sido antecipado pelos modelos de equilíbrio geral adotados, poderia ser evitado.
O grande truque é que existem alternativas à política monetária atual, sem precisar nada de exótico ou radical. Seriam formas de induzir reduções estruturais na taxa natural, permitindo a prática de juros mais baixos sem comprometer o controle da inflação.
O Governo Federal pode agir diretamente nos mercados do setor real. Estoques reguladores, impostos de importação e de exportação, administração de preços estratégicos, como derivados de petróleo e energia elétrica, e investimentos em matriz energética menos onerosa são ferramentas que podem ser utilizadas pelo Governo federal para auxiliar nesse controle.
O próprio Banco Central pode lançar mão de outras ferramentas para viabilizar a manutenção de juros mais baixos. Algumas visariam a diminuição da alavancagem de crédito, sendo recomendável preservar os direcionados a investimento, como aumentos em recolhimentos compulsórios e em capitalizações pelos índices de Basiléia.
Outro tipo de ferramenta atua sobre as taxas mais longas que a de um dia, como a Selic. Após a crise financeira de 2008, vários bancos centrais começaram a adotar essas ferramentas, que consistem em negociações de ativos com vistas a influenciar essas taxas mais longas e/ou o estabelecimento de metas explícitas para controlá-las.
Estudos empíricos indicam a queda na volatilidade das curvas de juros após serem controladas pelos bancos centrais, o que já permite a prática de menores níveis de taxa com efeitos equivalentes. Efeito ainda mais importante seria a possibilidade de queda substancial na taxa de um dia, que atualmente precisaria ser extremamente elevada, por ser a única ferramenta usada para controlar a inflação e influenciar as mais longas.
De junho de 2020 a março de 2022, a taxa Selic real manteve-se negativa, sem alterar a tendência de crescimento da dívida pública a ela indexada. A ausência de fuga dessa modalidade de ativo, mesmo em 21 meses de capitalização negativa, indica que ela esteja funcionando também como quase-moeda – disponibilidades imediatas de instituições financeiras e agentes não financeiros – se esperando que continue a ser mantida, mesmo com remuneração muito mais baixa que a atual.
Luís de Souza, economista. Membro da Comissão de Política Econômica do Cofecon
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