A aplicação da estratégia neoliberal se revela uma das principais fontes de fraqueza dos países imperialistas. Ela tem sido responsável pelo enorme enfraquecimento da infraestrutura dos vários países, sendo que na Europa Este fenômeno tem se revelado de forma muito evidente. Em 9 de abril de 2025, o operador da Rede Elétrica Espanhola (REE) que foi privatizada em 1999 negou risco de apagão elétrico ao contrário do alerta da Rede Europeia de Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade (REORT EU) para o risco grave de apagões se a política de integração desordenada de fontes intermitentes continuasse.

Poucos dias depois, houve um apagão que atingiu grande parte da Península Ibérica resultante de um acidente na rede espanhola. Passados vários minutos, os técnicos da Rede Elétrica Espanhola não conseguiram reativar o fornecimento de energia elétrica, desencadeando um caos urbano e social nas regiões afetadas de Portugal, França e Itália. 

As razões do apagão

Os relatórios oficiais vão demorar, mas especialistas do setor apontam que a frequência da rede espanhola caiu 0,15 hertz às 12h33, causando uma falha em cascata que desconectou 56% de toda a geração de energia. O sistema elétrico tem avançado muito nos últimos tempos. Ele garante a conexão de todos os consumidores à rede , que é abastecida pelas usinas geradoras por meio de milhares de quilômetros de cabos e outros equipamentos que compõem a rede. 

O sistema funciona como uma grande e única geradora que precisa operar em sincronia obedecendo a regularidade definida por vários indicadores. Um deles é a frequência, que na Espanha é de 50 hertz, ou 50 ciclos por segundo. O equilíbrio entre a eletricidade gerada e a consumida precisa ser muito preciso o tempo todo, pois, se isto não acontecer, a frequência da rede é alterada e mesmo um valor muito pequeno de oscilação, como neste caso de 0,15 hertz (0,3 por cento), pode levar o sistema ao colapso.

Para controlar qualquer falha, existem rotinas de estabilização , uma delas é a inércia. As usinas geradoras síncronas giram uma turbina, muito pesada (massa rolante) e, portanto, com muita inércia, para produzir eletricidade. Isso permite que a massa rolante atue como um amortecedor contra as constantes mudanças que ocorrem em um sistema elétrico entre a geração e o consumo. No caso haver perda ou ser necessária mais geração, a massa rolante dá tempo suficiente para que os operadores equilibrem o sistema “acelerando ou freando” as diferentes plantas.

Em um sistema normal, todas as máquinas fornecem inércia e todas podem ser acionadas conforme necessário. Quanto menor for a inércia em um sistema, mais sensível ele se torna às mudanças entre geração e consumo, como as causadas pela geração intermitente, que não é despachável, e a solar não fornece nenhum tipo de inércia.

Com tudo isso em mente, o que aconteceu minutos antes do colapso do sistema elétrico espanhol? De acordo com as informações disponíveis no site da REE, 61% de sua geração foi solar, 12% eólica, 11,6% nuclear e o restante térmico. Havia uma diferença de 5000 megawatts entre a geração real e prevista. Vários usuários informaram que seus sistemas fotovoltaicos alertaram sobre aumentos de tensão na rede antes da desconexão. O excesso de geração de energia poderia sobrecarregar uma linha de transmissão com a França e causar a falha. A falha foi desastrosa, pois, não tendo massa rolante suficiente no sistema, nada arrefeceu as mudanças, e como não havia como estabilizá-lo, o sistema produziu falhas em sequência, levando à desconexão automática em várias plantas para evitar maiores danos. O certo seria reduzir a produção de eletricidade, mas em um sistema privatizado como o espanhol isso custaria muito dinheiro, reduzindo os lucros.

Como poderia se evitar esse problema? Bastaria aumentar os mecanismos de integração na rede. Isso representa custos adicionais e é conhecido como custos de integração. Quando a porcentagem de energia intermitente é superior a 30%, é mais caro integrar do que aumentar a geração. A iniciativa privada tem pressionado o governo para que esses mecanismos de integração não sejam exigidos, pois isso encarece os seus empreendimentos.

Na Espanha, as empresas foram atendidas e os custos são absorvidos pelo sistema; isto é, o consumidor final e o Estado. No México, por muito tempo forçaram a operadora privada a cobrir esses custos gratuitamente.

Todos estes elementos dependem de planejamento de longo prazo com objetivos muito bem definidos e critérios muito precisos sobre a capacidade de integração. Em um sistema privatizado como o da Espanha, isso é impossível, pois as empresas reagem alegando que isto afeta a “competitividade e gera incerteza”. Já no México, a existência de uma empresa estatal, permite um melhor gerenciamento da energia. Isto evita apagões. 

Na Espanha a Rede Elétrica está 80% nas mãos de empresas privadas e “investidores”. Foi privatizada em 1999 com o governo Aznar, mas já em 1988 o governo “socialista” do PSOE de Felipe González iniciou o desinvestimento da estatal Endesa, vendendo 25% das ações. Em 2022, foi feita uma reforma da Lei para que a SEPI (estatal) pudesse ficar com apenas 10%. Atualmente a participação do Estado é de 20%. O fundo abutre BlackRock e Amâncio Ortega (Inditex) têm 5% respectivamente. A partir daí, há acionistas minoritários como Bank of America, BNP, Deutsche Bank, HSBC, JP Morgan, UBS.

Entre 2011 e 2020, os lucros foram de 60 bilhões de euros. 

Philip González ingressou na Gas Natural (agora Naturgy) em 2010 e esteve lá até 2015, ganhando 10.000 euros por mês como Diretor, enquanto José María Aznar foi contratado pela Endesa entre 2011 e 2014, ganhando 12.000 euros como Diretor. Há uma infinidade de ministros que se beneficiaram. As empresas foram privatizadas, mas os homens da burguesia recebem sua régia recompensa com empregos nas ex-estatais. Antigamente isto seria considerado corrupção, mas hoje chama-se “sinergia”.

A única solução: a estatização

A coordenadora do Bloco de Esquerda de Portugal considera que o apagão que durou várias horas “revelou a suscetibilidade de uma rede elétrica nacional” e a forma como “essa rede afeta várias áreas do nosso país”. “Todos nós ficamos conscientes da importância da rede elétrica nacional e do erro fatal que foi privatizar a REN”, disse.

Mariana Mortágua falou aos jornalistas no Parlamento, começando por agradecer a todos os trabalhadores que mantiveram os serviços essenciais a funcionar e a “todas as pessoas que ao longo do dia de ontem trabalharam para que as pessoas mantivessem a calma e tivessem as suas necessidades atendidas.

Sobre a REN, a dirigente bloquista sublinhou que “não é por acaso que o Relatório Anual de Segurança Interna tem um parágrafo – para o qual já chamamos a atenção várias vezes – que diz que a privatização de setores essenciais, como a distribuição elétrica, é uma ameaça à segurança interna”.

Segundo o balanço do Bloco de Esquerda, “mais do que nunca” se prova que a soberania de Portugal depende da sua capacidade para gerir e controlar sistemas de distribuição elétrica. “Uma rede pública não evitaria todos os problemas, mas este evento mostrou-nos o quão sensível é a gestão desta rede”, disse Mariana Mortágua.

“A nacionalização da REN é hoje mais importante do que nunca, e é hoje mais visível do que nunca esta prioridade”, prosseguiu, garantindo que este “não será um tema de campanha” para o partido. “Mas é muito importante apurar ao longo dos próximos dias tudo o que aconteceu, em primeiro lugar na rede elétrica” e se a REN cumpriu todos os protocolos com que estava comprometida.

Uma rede elétrica privatizada pensada para o lucro

O governo da burguesia portuguesa impôs a desregulamentação do setor energético e a dicotomia entre a produção e transporte para que se possível privatizar as empresas públicas. No Estado espanhol, que foi a origem o problema que resultou no apagão, tanto a produção de eletricidade — Endesa, Iberdrola e Naturgy — como a distribuição — gerida pela Redeia Corporation, que detém a Red Elétrica de España — estão nas mãos de um punhado de grandes investidores e fundos, incluindo Blackrock.

Em Portugal é a mesma situação: tanto a Energias de Portugal (EDP), que resultou da nacionalização de várias companhias elétricas durante a Revolução Portuguesa, como REN e E-REDES, retalhos do grupo EDP, são hoje empresa privadas nas mãos de um punhado de grandes investidores e fundos, os dois principais a chinesa China Three Gorges Corporation e a estado-unidense Blackrock.

Na fase imperialista do capitalismo, todos os setores são controlados por monopólios e oligopólios. Não é de se estranhar que a BlackRock , um fundo de investimentos sem nenhuma expertise no setor elétrico, seja acionista tanto de empresas espanholas como portuguesas. Isto mostra que o grande capital financeiro se expande mundialmente, estendendo os seus tentáculos sem respeitar qualquer barreira nacional ou setorial e para conseguir ter o maior controle de vastos setores, cadeias de produção e distribuição para maximizar os seus lucros.

É precisamente o lucro que guia a ação destas empresas, e não garantir a estabilidade e segurança da rede. O “modelo de negócio” da EDP privatizada “consiste na venda da sua infraestrutura em Portugal para garantir capital rápido que lhe permita investir em mercados estrangeiros que garantam melhores taxas de lucro”, deixando a rede portuguesa em situação precária. O mesmo acontece no Estado espanhol que tem apresentado uma deterioração das redes elétricas, com incêndios de subestações por falta de manutenção. Pode chegar-se até mesmo o abandono total das instalações se a rentabilidade obtida com a geração e venda de eletricidade não atinja os níveis desejados. Não se trata de problemas técnicos. A manutenção de uma a rede elétrica sendo operada de forma precária é um risco e também uma questão de rentabilidade econômica. 

A alta das tarifas não é o único motivo das empresas do setor serem tão lucrativas, mas é certamente uma fonte importante. No último período, Portugal chegou a ter a eletricidade mais cara da União Europeia. E as tarifas na Europa são as mais caras do mundo. Enquanto a REN privatizada gerou em 10 anos mais de 1 bilhão de euros de lucros e distribuiu mais de 400 milhões aos seus acionistas, e a EDP teve quase 10 vezes esse valor, milhares de pessoas morreram de frio nos invernos dos últimos anos por não terem como pagar. São verdadeiros assassinatos resultantes da privatização do setor energético, que também explicam o apagão!

A privatização de serviços públicos essenciais é um instrumento para a acumulação de capital nesta fase de decadência e barbárie do capitalismo. A única alternativa capaz de inverter esta situação inaceitável é a expropriação dos grandes monopólios que controlam a produção e distribuição de eletricidade, sem indenizações, para criar uma empresa pública de eletricidade que, sob o controle dos seus trabalhadores, tenha como principal objetivo garantir um abastecimento estável e acessível a toda a população.

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Last Update: 02/05/2025