Boulder, da escritora catalã Eva Baltasar, de 45 anos, é um livro curto, com menos de 100 páginas. Não leva, portanto, muito tempo para ser lido, mas seu efeito pode ser duradouro sobre quem o lê.

Romancista e poeta, Eva procura as palavras certas de forma econômica, sem lançar mão de pirotecnias, para construir a narrativa da protagonista-narradora, Boulder, uma mulher lésbica que se diz solitária por opção. Sua vida vai, porém, transformar-se a partir do momento em que conhece Samsa, por quem se apaixona.

Boulder, que trabalhava e vivia em um navio, decide, por amor, instalar-se em terra firme. Ela vai, estranhamente, sendo tomada por uma vida doméstica que nunca quis, mas que se torna maior que o seu desejo. Tudo vai relativamente bem, até que Samsa resolve que deseja ser mãe.

Eva Baltasar, potente em sua prosa contida, mira na transformação da personagem, de sua psique.

“E mesmo assim descobri que não se pode balançar um filho sem sorrir”, diz a narradora. “Experimentei e é impossível. As crianças pequenas têm esse poder, impõem sua alegria ao mal-estar ordinário dos adultos.”

A protagonista passa, assim, por uma espécie de transição da rebeldia solitária ao conformismo domesticado da vida de casada.

O poder incisivo de observação da autora joga luz sobre questões contemporâneas e, em especial, sobre uma geração para a qual a vida doméstica nunca foi exatamente um sonho ou uma ambição.

Boulder. Eva Baltasar.

Mas, de repente, a estrutura familiar se impõe, com suas vantagens e desvantagens. E como lidar com isso neste tempo de urgências e laços de afeto frágeis?

Boulder, obviamente, não é um romance de respostas, mas sim de questões, que organiza sua indagação sobre o nosso tempo por meio da vida íntima de sua personagem.

Se, como pregava o feminismo dos anos de 1970, “o pessoal é político”, Boulder é um romance que parte da trajetória de uma personagem ficcional para explorar a tensão entre o individualismo e a vida comum, que é, sabidamente, um dos aspectos mais marcantes da contemporaneidade.

A busca de Boulder pela solidão pode não ser exatamente egoísta – ela parece mais uma fobia do mundo e das outras pessoas.

E, embora a união com Samsa tenha aberto novos caminhos para sua vida, ela não necessariamente lidou com essa fobia. É, sobretudo, desse embate que se constitui Boulder.

Publicado na edição n° 1319 de CartaCapital, em 17 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O amor nos tempos do individualismo’.

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Última Atualização: 11/07/2024