Faz quase 40 anos que cuido de pacientes com câncer de pulmão. Mas olho para trás e não reconheço mais essa velha doença. Na década de 1980, quando comecei a tratar doentes com tumores malignos no pulmão, as chances reais de eles viverem mais que poucos meses se concentravam em cirurgias complexas.
Ou o tumor era removido por inteiro, independentemente da agressividade dos procedimentos, ou o doente tinha poucos meses de vida. E nisso consistia o nosso treinamento: operações extensas, complexas e agressivas.
No caso de doenças em estágios avançados ou disseminadas com metástases, as chances eram mínimas. Nos restava tentar radioterapia rudimentar e quimioterapia com um único esquema tóxico e de pouca eficiência.
E hoje? Estamos lidando com um novo câncer de pulmão. Graças aos métodos de endoscopia e de imagem cada vez mais sofisticados e detalhados – com tomografias de alta resolução, PET Scan, endoscopia pulmonar com ultrassonografia, ressonância magnética –, o diagnóstico e a determinação do estágio do tumor ficaram mais fáceis.
A análise patológica das biópsias tornou-se muito detalhada, com o uso intensivo de biologia molecular para caraterização do tipo, do subtipo e dos marcadores capazes de orientar o manejo de cada doente individualmente.
As cirurgias ficaram cada vez mais precisas, menos agressivas e mais eficientes, com a rotina de procedimentos por videocirurgia e robóticos que permitem a inclusão de pacientes cada vez mais idosos e mais frágeis para tratamentos com intenção curativa.
Os aparelhos de radioterapia tornaram-se exemplos de sofisticação e precisão. Atualmente, eles conseguem expor os tumores a doses altas de radiação, antes inimagináveis. Essas doses, curativas, vêm tornando-se alternativas reais de cura para pessoas sem condições clínicas de ser submetidas a cirurgia.
Mas a maior evolução veio mesmo com os medicamentos contra o câncer de pulmão. Temos disponíveis drogas cuja eficiência é absolutamente incomparável com aquele esquema rudimentar dos anos 1980. A quimioterapia, a imunoterapia e a terapia precisa, com alvos moleculares, permitiram a personalização da oncologia torácica.
As chances de pacientes com a doença metastática e avançada viverem por anos tornaram-se meta rotineira. A maioria desse grupo grave sobrevive três, quatro ou mais anos, principalmente quando são candidatos à terapia-alvo ou à imunoterapia.
Recentemente, o uso de tratamento dirigido a um alvo específico em pacientes com câncer de pulmão avançado (chamado EGFR), previamente tratados com radioterapia associada à quimioterapia, aumentou drasticamente as chances de longa sobrevida (três anos ou mais) sem o retorno ou a progressão do câncer. A longa sobrevida foi alcançada em 80% dos pacientes, ante os 20% da rotina sem terapia-alvo.
Atualmente, concentramos nossa atenção em individualizar o manejo de nossos pacientes, indicando o melhor tratamento em cada etapa, com menor agressividade e maiores chances de cura e de controle da doença.
Infelizmente, os custos aumentaram, mas esta é outra luta que a sociedade terá de encarar para poder incluir todos, ricos ou não, com convênios ou não, na saúde pública ou privada, nesse trem do progresso.
Embora sigamos dando um passo de cada vez, os paradigmas da oncologia estão sendo derrubados de forma impressionante. Vivemos uma nova era, marcada por um novo olhar sobre um câncer, que é nosso velho conhecido – ou, eu diria, um câncer que, até recentemente, era totalmente desconhecido.
Publicado na edição n° 1325 de CartaCapital, em 28 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O início de uma nova era’.